EXCLUSIVO –
Entrevista com Dr. Alfredo José Silva, Diretor dos
Serviços de Fiscalização e Controlo do Instituto
dos Vinhos do Douro e Porto, IP
Meu caro leitor ou leitora, como é possivel avaliar,
auditar, verificar, gerir e certificar milhões de litros de vinhos produzidos
com dezenas de castas de uvas, por milhares de vitivinicultores em uma centena de
diferentes tipos de micro-terroir, numa região de topografia complexa como o
Norte e Vale do rio Douro e num ramo do agronegócio onde todo mundo é
extremamente vaidoso? E fazer isso todos os anos!!! Complexo, meu caro leitorou
leitora, é muito complexo. Pois para saber como isso é possivel, durante a Wine
Trade Fair no Anhembi, dia 18 de setembro, falei com o
Dr. Alfredo José
Silva (foto abaixo), o homem responsável
pela gestão de uma das mais importantes regiões vinícolas certificadas do
mundo, a dos Vinhos do Douro e Porto .
Como se costuma dizer, as melhores idéias
sempre surgem em momentos de crise. Pois foi isso que aconteceu no século XVII quando
na cidade do Porto, Portugal, foi criada a segunda demarcação de origem de
vinhos do mundo, depois de Tokaj, na Hungria, quando em 1700 o príncipe
Rakoczi II criou tres
classes de qualidade das vinhas. Veja a seguir esta história.
Em 1754 os negociantes ingleses, que já dominavam
parte da produção e o comércio exportador do vinho do Porto, decidiram não comprar
mais vinhos portugueses, acusando os produtores de promoverem adulterações. Isso
poderia muito bem ser apenas uma jogada para negociar melhores preços, mas para
acabar com este argumento dos ingleses, em 10 de Setembro de 1756 o inteligente
Primeiro Ministro de Portugal, o Marquês do Pombal, criou a Companhia Geral da
Agricultura das Vinhas do Alto Douro para “manter a reputação do vinho, o
granjeio da vinha, de modo a que, remunerado o Comércio, recompensasse a
Lavoura”.
As funções da companhia eram: demarcar o
território; cadastrar as parcelas de vinha; classificar as parcelas e os vinhos
em função da sua qualidade e estabelecer preços dos vinhos mediante a sua
categoria. Foram criados três tipos de vinhos: Vinhos de “feitoria”, que é como
se chamariam muitos anos depois os vinhos finos de terroir; Vinhos de embarque,
para exportação; Vinhos de ramo ou de mesa. Espertamente a Companhia Geral da
Agricultura das Vinhas do Alto Douro tinha o monopólio da comercialização de todos
estes vinhos. Mais de dois séculos depois, em 1921 a área da Região Demarcada
do Douro foi re-definida em 4 distritos, 21 concelhos, 172 freguesias agrupadas
em três sub-regiões geográficas: Baixo Corgo, Cima Corgo e Alto Douro. E este é
o formato atual.
Seria de esperar que a instituição do
monopólio da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro não fosse
pacífica. Pois não foi, e entre as principais reações aconteceu o “motim dos taberneiros”,
ocorrido no Porto, que provocou incêndios e violência porque os comerciantes (hoje
donos de bares e restaurantes) se revoltaram contra o monopólio dado à
Companhia para definir preços e vender os vinhos.
Mas
a história da Denominação
de Origem do Vinho do Porto teria muitos outros
percalços. No século XX aconteceram outros problemas como a filoxera; ações de concorrência desleal; o crescimento da
mendicância em Portugal e a emigração ou fuga do Norte de Portugal. O Estado
teve que intervir para fazer reformas e em 1933 foi criado o Instituto do Vinho
do Porto para coordenar as atividades da Casa do Douro (uma Associação de
Produtores) e do Grêmio de Exportadores (uma Federação de Comerciantes). O
Instituto seria uma organização autônoma com funções públicas de defesa dos interesses
do comércio do Vinho do Porto.
Com
o Instituto do
Vinho do Porto, no século XX foram definidos os mecanismos
fundamentais que asseguram a qualidade dos vinhos Porto e Douro nos dias de
hoje: Classificação das parcelas de vinha em 1934; criação do sistema de
“Beneficios”, que é quantidade
de vinho do Porto autorizada a produzir, em 1936; e em 1932, foram definidas regras sobre a capacidade de
venda, parte do mecanismo que interfere nos preços de vendas de uvas para as
adegas.
Em 2003, depois de várias reformas e fusões entre
organizações no Norte e Douro, surgiu o atual Instituto dos Vinhos do Douro e
do Porto, I.P. (IVDP, I.P.) como uma organização pública com receitas próprias a
quem compete certificar, controlar, promover e proteger as duas Denominações de
Origem produzidas na Região, do Porto e do Douro. Um Decreto-Lei de 2012 estabeleceu
assim as tarefas do Instituto dos Vinhos
do Douro e do Porto:
·
Auditar
e gerir as parcelas de vinha;
·
Atribuir
o benefício;
·
Rececionar
as Declarações de Colheita e Produção.
·
Certificar
os vinhos DOP e a IGP e as rotulagens.
·
Certificar
a documentação de exportação e gerir as
·
contas
correntes.
·
Fiscalizar
e garantir a qualidade do produto.
·
Promover
e defender os Vinhos do Douro e do Porto.
Conforme estatísticas de 2018, o IVDP
atualmente legisla sobre uma área que representa 22% da área vinícola de Portugal,
com 43.500 ha de vinhas, dos quais 40.049 ha estão registrados como Denominação
de Origem Protegida - DOP. São permitidas 115 castas de uvas para produzir Vinho do Porto e Douro
(especialmente Touriga Franca (23%), Tinta Roriz (13,5%), Tinta Barroca (10%) e
Touriga Nacional 8,2%) e 343 para produzir o vinho IGP Regional Duriense. No mesmo ano a região tinha 20.370
vitivinicultores – lá chamados de Exploradores. O processo de gestão parece simples, mas é complexo, veja a imagem
abaixo
Licenças, avaliação e preços das uvas para
produção de vinho do Porto são obtidas através de critérios qualitativos - ou o mais qualitativo possivel - tendo como
base um método de pontuação com 12 critérios extremamente complexos.
Para realizar esta tarefa a IVDP conta com um
orçamento de 10 milhões de Euros, cerca de 155 funcionários e algumas
ferramentas para simplificar a complexidade de avaliações, como um avaliador da
uvas acoplado a um GPS e um Geo-Portal de Cadastro Vinícola. Como o Douro repousa
suas uvas sobre curvas de nivel (os terraços), os desenhos finais de cotação
dos vinhedos é muitocomplexo, como mostra o exemplo da imagem abaixo.
Na última safra foram feitas 2.801 certificaçõeas
e 593 fiscalizaçõees na região demarcada como Douro; e 1.298 certificações e
832 fiscalizações na região certificada como do Porto. Mas o trabalho também
cansa o nariz: 4.000 amostras de Douro foram provadas pelos fiscais e 2.600 de
vinhos do Porto, em Câmaras de Prova que não podem sofrer a menor influência
externa. Incluindo os mais de 6.000 vinhos provados, no ano de 2018 exatos 166.725
parâmetros foram avaliados! Todo este trabalho foi feito para proteger as
denominações que incluem DOP Porto, DOP Vinho do Douro, Moscatel do Douro – DOP Douro, Espumante do
Douro – DOP Douro e IGP Duriense – Vinho Regional Duriense.
Pois é, meu caro leitor ou leitora: a
experiência dos pioneiros mostra que não basta criar uma Identidade Geográfica ou
Denominação de Origem para um vinho. É preciso manter 24 horas de atenção todos
os 365 dias do ano para evitar que o esforço de muito tempo (neste caso de 263
anos!) caia por terra por falta de seriedade no controle e fiscalização.
Isso tudo está dentro do seu vinho do Porto ou
Douro. E eu brindo a isso.
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