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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Brasil vai ter mais três regiões vinícolas com certificação de origem; processos aceleram no INPI

 

Por Rogerio Ruschel

Estimado leitor ou leitora, boas notícias: o Brasil está acelerando propostas de certificação de origem para vinhos e espumantes e isso vai ajudar a conquistar respeito e mercado, dentro e fora do país. Estamos muito atrasados em relação a produtores com os quais queremos competir: em 2017 existiam 1.043 Identidades Geográficas - IGs apenas de vinhos, na Europa; só a França tinha 473 regiões certificadas, a Itália tinha 464 e a pequena Luxemburgo, que tem pouquíssima experiência com vinhos e um território do tamanho de uma fazenda de médio porte no Brasil, tem 36 regiões certificadas de vinhos. O quadro abaixo, retirado do meu livro “O valor global do produto local”, mostra um resumo.

Então a boa notícia é que corremos atrás do prejuizo. Hoje o Brasil já dispõe de sete IGs de vinhos, sendo seis delas de Indicações Geográficas (Campanha Gaúcha, a mais recente; Altos Montes, Farroupilha, Monte Belo, Pinto Bandeira, Vales da Uva Goethe) e uma de Denominação de Origem (Vale dos Vinhedos, a mais antiga). Mas outras três estão em processo de reconhecimento: Altos de Pinto Bandeira, Região do Planato Catarinense e Vale do São Francisco.

Não precisamos ter centenas de anos de cultivo e milhares de hectares de produção de uvas e vinhos para que valha a pena investir na identidade e origem. A Vinícola Miolo, por exemplo, com apenas 32 anos de existência, investe na valorização de 10 vinhos e espumantes que levam o selo de Denominação de Origem Vale dos Vinhedos – um pequeno número no universo de sua produção total que inckuioutras regiões.

Quando um produto adquire uma identidade territorial derivada da região onde é produzida (uma Identidade Geográfica – IG), a certificação das características exclusivas ou intrínsecas deste produto, agrega valor de mercado e ajuda a protegê-lo de cópias, através de um selo que garante sua identidade e lhe acrescenta valor como Propriedade Industrial – PI. Venho pesquisando, estudando e reportando sobre este tema não só aqui no In Vino Viajas, mas criei o WebCanal Tesouros no Fundo do Quintal, hoje com 27 videos com historias de sucesso sobre o tema e escrevi o primeiro livro brasileiro de marketing sobre o assunto, “O valor global do produto local – A identidade territorial como estratégia de marketing”, publicado em 2018 pela Editora Senac. Veja os links no fim desta matéria.

Voltando aos vinhos, veja o que um especialista informa: “As Indicações Geográficas brasileiras representam um reconhecimento dos territórios do  vinho  organizados,  geridos  de  forma  coletiva  pelos  produtores  para  valorizar  a origem, promover e garantir a qualidade dos produtos. São regiões que estão ampliando seurenome, o  que  reforça  a  imagem  junto  ao  mercado  consumidor. Apresentam um diferencial para assegurar posição no mercado competitivo. A agregação de valor aos produtos  faz  parte  de  uma  construção  da  imagem  e  do  renome,  que  normalmente evoluem com a consolidação das indicações geográficas”, segundo Jorge Tonietto, Pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, na foto abaixo.



A meu pedido o Dr. Jorge Tonietto, fez um resumo das três solicitações de reconhecimento de origem que tramitam no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI): Altos de Pinto Bandeira, Região do Planato Catarinense e Vale do São Francisco. Ele é Engenheiro agrônomo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul com mestrado em Fruticultura de Clima Temperado pela Universidade Federal de Pelotas - UFPEL e doutorado em Biologie de L'évolution et Ecologie - École Nationale Supérieure Agronomique de Montpellier, França e um dos mais importantes especialistas brasileiros em Indicações Geográficas. Com a palavra, Jorge Toniolo.

Indicação de Procedência “Vinhos de Altitude de Santa Catarina”

Esta IG localiza-se em latitudes pouco tradicionais da viticultura mundial. Possui a área geográfica  delimitada vitivinícola  com  as  temperaturas  mais  frias  do  Brasil,  mesmo estando  em  latitudes  mais  baixas  do  que  as  encontradas  nas  regiões  produtoras  de vinhos do Rio Grande do Sul. Estastemperaturas amenas são resultado da altitude onde os vinhedos são cultivados -sobretudo a partir de 900m, podendo chegar a 1400m, em altitudes onde não existe viticultura na Europa. Nestas condiçõesdo Brasil, o ciclo da videira é mais longo, sobretudo no período de maturação das uvas, resultando em uvas de qualidade que dão origem aos chamadosVinhos de Altitude de Santa Catarina. A produção  de  vinhos  finos  tranquilos  e  espumantes  naturais  é  limitada  ao  volume  de produção de poucas centenas de hectares de vinhedos cultivados na região.Os Vinhos de Altitude de Santa Catarina compõem uma identidade até então inexistente na  vitivinicultura  brasileira doséculo  XX. 

Esta nova  região  produtora  enriquece  o patrimônio  vitivinícola  nacional  e  amplia  a  diversidade dos  vinhos  de  qualidade brasileiros. A estruturação desta IG foi resultado de uma parceria entre a Epagri, Embrapa Uva e Vinho, Sebrae  e  os  produtores da  associação “Vinho de  Altitude –Produtores  & Associados”, que  depositou o  pedido  de  registro da  IG  no  Instituto  Nacional  de Propriedade Industrial –INPI em 2020, o qual está seguindo os trâmites do processo, com perspectivas de obtenção do registro ainda em 2021.Parasaber mais sobre a IP Vinhos de Altitude de Santa Catarina: http://sistemas.epagri.sc.gov.br/semob/consulta.action?subFuncao=consultaPublicacoesDetalhe&cdDoc=47709

Indicação de Procedência de vinhos “Vale do São Francisco”

Sem dúvida esta é uma IG muito particular na viticultura brasileira e mundial. Trata-se da produção dos chamados vinhos tropicais, no clima tropical semiárido do Vale do São Francisco. Nesta condição, não há alternância entre verões e invernos como ocorre nas regiões de viticultura tradicional do mundo e a videira pode manter o ciclo vegetativo ao longo do ano, possibilitando colheitas e elaboração de vinhos de janeiro a dezembro. Além  disto,  os  vinhos  possuem  uma  identidade  própria  que  resulta  da  interação  das variedades com o clima e o soloda região. A IG Vale do São Francisco é um marco, pois é a primeira em nível mundial estruturada com requisitos equivalentes aos utilizados na União Europeia. E a primeira em vinhos tropicais.

Isto garante a origem e a identidade destes produtos, que inclui os espumantes naturais, espumantes moscatéis, vinhos tintos, rosados e brancos. Um  amplo  projeto  coordenado  pela  Embrapa  Uva  e  Vinho  em  parceria  da  Embrapa Semiárido  e  diversas  outras  instituições,  incluindo  os  produtores  através  do instituto Vinhovasf, apoiou a estruturação inédita desta IG de vinhos tropicais. Com pedido de registro depositado no INPI em dezembro de 2020, estima-se que a IG possa estar reconhecida no primeiro semestre de 2022.Para saber mais: https://www.embrapa.br/en/busca-de-noticias/-/noticia/58842515/brasil-e-pioneiro-em-indicacao-geografica-de-vinhos-tropicais

Denominação de Origem de espumante natural “Altos de Pinto Bandeira”

As denominações de  origem contemplam produtos que apresentam características próprias que resultam do efeito dos fatores naturais (clima, solo, relevo) e dos fatores humanos  (variedades,  sistemas  de cultivo, técnicas  de  elaboração  e  envelhecimento) da região  delimitada. Altos de Pinto Bandeira é o resultado de um trabalho evolutivo da região de Pinto Bandeira, hoje compartilhado por uma coletividade de produtores nesta região diferenciada, que se beneficia de um clima ameno de uma zona de maior altitude da  Serra  Gaúcha. Trata-se  da  primeira  DO  brasileira  exclusivamente  de  espumantes naturais. Possui um conjunto estrito de requisitos de produção para garantir verdadeiros produtos  de  terroir:  produção  das  uvas  na  área  delimitada,  apenas  três  variedades autorizadasde  alta  aptidão,  sistemas  de  cultivo  específicos  e  com  controle  de produtividade,  técnicas  de  vinificação  particulares,  incluindo  a  prensagem  de  uvas inteiras, segunda fermentação exclusivamente pelo método tradicional, tempo mínimo de um ano de contato com as leveduras no período de autólise, padrões de qualidade do vinho base e do produto finalizado, incluindo aspectos analíticos e sensoriais.

A Serra Gaúcha tem  como  produto  ícone  os  espumantes  naturais,  reconhecidos no mercado nacionalpela sua qualidade. A DO Altos de Pinto Bandeira garante a origem deste produto, com os melhores padrões de produção tradicional numa área demarcada de  excelência.  Com  isto,  os  consumidores  podem  ter  acesso  a  estes  produtos diferenciados.Um projeto liderado pela Embrapa Uva e Vinho, com a parceria da UCS, UFRGS e dos produtores  da  Asprovinho,  concluiu  a  geração  dos  elementos  que  possibilitarão  o imediato  depósito  do  pedido  de  registro  da  DO  junto  ao  INPI,  com  expectativa  de reconhecimento para  início de 2022. Saim mais: https://www.embrapa.br/en/uva-e-vinho/indicacoes-geograficas-de-vinhos-do-brasil

 

Para saber mais:

* WebCanal Tesouros no Fundo do Quintal – https://www.youtube.com/channel/UCc4c2FU6Z88_XU_2I2lFbmA

* Livro “O valor global do produto local” – https://www.essentialidea.com.br/portfolio-item/o-valor-global-do-produto-local/

* Artigos sobre Identidade Geográfica http://www.invinoviajas.com/?s=identidade+geo

 

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Do Pau-Brasil abandonado ao Guaraná protegido: de olho na certificação de origem dos produtos brasileiros mais tradicionais

 

Por Rogerio Ruschel

Com 521 anos de história, o Brasil reconhece sua primeira Indicação Geográfica indígena e cria o único “terroir com alma” do mundo: o Tekoha dos Sateré-Mawé.

Meu prezado leitor ou leitora, fico feliz em poder escrever isso: parece que finalmente o Brasil está levando a sério o reconhecimento do valor de seus produtos locais, nativos, que estamos acreditando que vale a pena agregar valor ao nosso próprio patrimônio, especialmente no que se refere a agroalimentos. Esta percepção de valor se torna mais importante quando um produto adquire uma identidade territorial própria, derivada da matéria-prima ou da região onde é produzida, chamada de Identidade Geográfica - IG.  Esse processo de certificação das características exclusivas ou intrínsecas de um produto, serviço ou bem cultural que diferencia este produto, agrega valor de mercado e ajuda a protegê-lo de cópias, através de um selo que garante sua identidade e lhe acrescenta valor como Propriedade Industrial - PI.

Na Europa, nas Américas e na Ásia milhares de produtos se beneficiam de IGs com “sobrenomes” como vinhos Bordeaux, Porto, Chianti e Champagne, queijos Gruyére, Camembert e Cheddar, presunto de Bologna, chá de Darjeeling, etc… No Brasil as IGs são concedidas pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em duas categorias (Denominações de Origem – DO e Indicações de Procedência – IP) totalizam 84 IGs registradas e entre as mais conhecidas estão vinhos do Vale dos Vinhedos, cachaças de Paraty e Salinas, queijos Canastra e Serro, Café do Cerrado Mineiro e cacau do Sul da Bahia.

Fico feliz porque até pouco tempo pouquíssimas pessoas falavam sobre Identidade Geográfica de produtos e serviços como reconhecimento do valor de um patrimônio comunitário ou territorial – e menos ainda a tratavam como um valor de mercado. Este era é um assunto de especialistas, pesquisadores acadêmicos, profissionais de entidades como Embrapa, Epagri, Emater e Sebrae, algumas associações de produtores – e de pouquíssimos jornalistas, entre os quais, sem falsa modéstia, este que vos escreve. Eu venho pesquisando, estudando e reportando sobre este tema há pelo menos 6 anos, criei o WebCanal Tesouros no Fundo do Quintal, hoje com 27 videos com historias de sucesso sobre o tema e escrevi o primeiro livro brasileiro de marketing sobre o assunto, “O valor global do produto local - A identidade territorial como estratégia de marketing”, publicado em 2018 pela Editora Senac. Veja os links no fim desta matéria.

Aumentando o conhecimento

Alguns fatos reforçam minha percepção de que estamos evoluindo. O primeiro é que em dezembro de 2020, quando o INPI comemorou 50 anos, a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia (SEPEC/ME) lançou a Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual (ENPI) que “incentiva a criatividade e os investimentos em inovação, visando ao aumento da competitividade e ao desenvolvimento socioeconômico do Brasil” segundo o órgão. Como qualquer iniciativa que modernize a máquina e agilize ações da iniciativa privada, isso é muito bemvindo.

O segundo fato: durante este silencioso e pandêmico ano de 2020, 10 novas IGs foram reconhecidas e 19 processos de pedidos de registro deram entrada no INPI; 29 IGs foram mobilizadas em um ano – contra apenas 4 novas IGs aprovadas em 2019.  Assim fechamos o ano de 2020 com 84 IGs registradas, sendo 23 Denominações de Origem (14 nacionais e nove estrangeiras) e 61 Indicações de Procedência nacionais. Mas poderiam (e poderão) ser centenas.

Um terceiro fato:  já no início de 2021 o INPI publicou a primeira edição do Manual de Indicações Geográficas com recomendações aos usuários e examinadores do INPI, detalhamento sobre os procedimentos e diretrizes de exame, bem como definições técnicas relevantes para a matéria. Certamente isso vai acelerar a burocracia de novos processos e o quadro abaixo deixa isso claro: o INPI tem como meta aprovar 22 IGs em 2021.

 

As IGs aprovadas no ano 2020 foram:

·       Campos de Cima da Serra - Santa Catarina/Rio Grande do Sul (DO): queijo artesanal serrano

·       Campanha Gaúcha - Rio Grande do Sul - (IP): vinho tinto, branco, rosado e espumantes – veja em  http://www.invinoviajas.com/?s=campanha

·       Mantiqueira de Minas - Minas Gerais - (DO): café verde em grão e café industrializado em grão ou moído

·       Novo Remanso - Amazonas - (IP): abacaxi

·       Caicó - Rio Grande do Norte - (IP): Bordado

·       Porto Ferreira - São Paulo - (IP): cerâmica artística

·       Terra Indígena Andirá-Marau - Amazonas/Pará - (DO): guaraná nativo e bastão de guaraná – (primeira indicação geográfica concedida a um território indígena) – veja em http://www.invinoviajas.com/2020/12/warana/

·       Campos das Vertentes - Minas Gerais (IP): café verde, café industrializado em grão ou moído

·       Matas de Minas - Minas Gerais (IP): café em grãos cru, beneficiado, torrado e moído.

·       Antonina - Paraná (IP): bala de banana

Ao fim de mais de 520 anos de existência, o Brasil começa a reconhecer que seus produtos nativos tem valor, e que este valor pode ser ampliado e protegido com uma identidade geográfica a um produto local, “colonial” ou “caipira”.

Demoramos a aprender esta lição que começou com um exemplo clássico de desperdício com a primeira identidade geográfica potencial para um produto brasileiro realmente competitivo e exclusivo: a madeira denominada com o nome de pau-brasil. O pau-brasil ((Paubrasilia echinata) foi surrupiado da natureza e exportado para a Europa via Portugal por muitas décadas no século XVI. E quais os resultados? Hoje o pau-brasil está em listas de espécies ameaçadas de extinção, continua desconhecido e desrespeitado pelos brasileiros e não tem “utilidade” commercial; talvez porque esta árvore tenha sido ignorada como patrimônio comunitário entre 1501 e 1978, quando finalmente foi declarada patrimônio e árvore nacional e formalmente protegida por lei.  

  

Por que e como isso aconteceu? Pela sua madeira e pela resina vermelha que era utilizada na produção de um corante para tecidos, o pau-brasil foi valioso enquanto não se pagava por ele, chegou a construir uma boa imagem de produto, mas não acrescentou um centavo aos brasileiros natos, os indígenas que eram os proprietários deste recurso. Na verdade os indígenas eram contratados para derrubar as árvores de pau-brasil (que chamavam de ibirapitanga) com pagamento irrisório por escambo de segunda classe.

Apenas como curiosidade: o primeiro português a ter o direito de explorar o pau-brasil, em 1501, foi Fernão de Loronha que havia “ganho” a ilha de São João (atual Fernando de Noronha) como sua capitania. Mas o tal Loronha não explorou as árvores porque além de dar trabalho (ainda não haviam escravos) ele ainda tinha que dar todos os lucros para a Coroa portuguesa. Então preferiu investir em açúcar no continente. Dos males, talvez o menor, porque se tivesse explorado o pau-brasil, talvez Fernando de Noronha tivesse se tornado um imenso deserto e não seria o paraíso preservado que é hoje.

O pau-brasil poderia ter sido registrado, protegido e valorizado com uma Denominação de Origem Pau-Brasil, e hoje teríamos um excepcional produto de exportação: uma resina natural, com produção sustentável, acompanhando a cor da moda, e talvez com o aval de indigenas como elemento promocional…  

 

Mas antes tarde do que nunca: estamos começando a descobrir o valor de nossos produtos com origem e identidade com 521 anos de aprendizado, às portas da viabilização de um acordo Mercosul com a União Europeia pelo qual todas as IGs serão protegidas nos dois blocos e poderemos correr o risco de ser engolidos por produtos europeus.

Se o Pau-Brasil foi ignorado como patrimônio nacional por mais de 450 anos, podemos recuperar parte da dignidade dos produtos tupiniquins e da cultura indígena com o recente reconhecimento pelo INPI da Terra Indígena Andirá-Marau como a primeira Indicação Geográfica (IG) de Origem concedida a um povo indígena brasileiro, em razão de dois produtos locais: o waraná (um guaraná nativo) e o pão de waraná (bastão de guaraná).


O reconhecimento foi concedido no dia 20 de outubro de 2020 à região denominada Terra Indígena Andirá-Marau, com 8.000 Km2, localizada na divisa dos estados do Amazonas e do Pará, como uma Indicação Geográfica (IG) do tipo Denominação de Origem – DO. Esta classificação considerou que ficou provado que o waraná, como é chamado pelos indios Sateré-Mawé, apresenta características únicas devido ao bioma local e o “saber-fazer” do povo indígena com seu modo próprio de cultivo e obtenção do produto. Segundo a crença ancestral dos Sateré-Mawé, sua sabedoria reside exatamente no waraná, a planta que contém sua essência; eles se consideram “filhos do guaraná”.

Ou seja: este guaraná só existe por causa do terroir Andirá-Marau. Mas como não somos franceses e o conceito envolve tradições e crenças que vão além de considerações edafoclimáticas, vou sugerir denominar este conceito de Tekoha, o terroir com alma. Tekoha é uma expressão que significa aldeia guarani, mas também o lugar do modo de ser guarani, sendo que modo de ser (tekó) é entendido como um conjunto de preceitos para a vida, em consonância com a herança cosmológica herdada pelos antigos guaranis. Tekohas são as áreas cerimoniais da tradição guarani, o centro das atividades xamânico-religiosas da comunidade. Então  o Tekoha dos Sateré-Mawé é o primeiro “terroir com alma” tropical. Enfim: em 521 anos de história evoluímos do pau-brasil quase extinto como patrimônio de valor para o waraná, o Guaraná protegido e valorizado como terroir de uma etnia, o Tekoha Andirá-Marau. E fique sabendo que o waraná é tão valorizado, meu caro leitor ou leitora, que é vendido na Europa pela empresa parisiense Guayapi, especializada em produtos étnicos, e pelo Salão do Gusto Tierra Madre, do Slow Food, por 68,50 Euros uma latinha. Isso, claro, antes de ter sido certificado como um produto local que adquiriu valor global.

Para saber mais:

* WebCanal Tesouros no Fundo do Quintal - https://www.youtube.com/channel/UCc4c2FU6Z88_XU_2I2lFbmA

* Livro “O valor global do produto local” - https://www.essentialidea.com.br/portfolio-item/o-valor-global-do-produto-local/

* Artigos sobre Identidade Geográfica http://www.invinoviajas.com/?s=identidade+geo

Rogerio R. Ruschel (rogerio@essentialidea.com.br) é jornalista, professor, palestrante e autor e editor de livros e escreve sobre produtos com identidade e origem


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Estudo da Epagri desvenda os segredos do terroir dos Vinhos de Altitude de Santa Catarina

 

Por Rogerio Ruschel

Meu prezado leitor ou leitora, já que a opção mais sensata é ficar de resguardo social por causa da pandemia, minha sugestão é relaxar degustando uma taça de vinho  em casa, em boa e segura companhia. E para agregar sabor ao seu relaxamento sugiro que abra um vinho da região dos Vinhos de Altitude de Santa Catarina, e harmonize com a leitura de um excelente livro preparado pela Epagri sobre este terroir: “Vinhos de Altitude de Santa Catarina - Caracterização da região produtora, Indicadores e instrumentos para Proposição de uma indicação geográfica”.  Como Hamilton Justino Vieira, Eng. Agrônomo da Epagri/Ciram escreve no prefácio, o livro, como os vinhos é elegante, encorpado, equilibrado, evoluído, maduro e intenso”.

O estudo vai subsidiar a formalização de mais uma Identidade Geográfica de vinhos brasileiros, a IG Vinhos de Altitude. Um produto com IG é único. Significa que só ele tem determinadas propriedades, porque sua elaboração é influenciada por características ambientais ou culturais de determinada região. E isso certamente significa um diferencial de mercado que agrega valor ao produto final no Brasil ou em qualquer parte do mundo. Mas a obtenção da Indicação Geográfica requer a produção de uma série de estudos para compor um dossier sério e definitive – como este estudo que estou apresentando.

A obra foi organizada pelos pesquisadores Cristina Pandolfo e Fernando Luiz Novaes Vianna da Epagri/Ciram, com o apoio do Sebrae, da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação de Santa Catarina (Fapesc) e da Associação Vinhos de Altitude – Produtores Associados de Santa Catarina. Os capítulos foram redigidos e revisados por uma equipe multidisciplinar composta por 33 pesquisadores e técnicos das áreas de agronomia, ciências biológicas, economia, enologia, farmácia, geografia, meteorologia e química. Participam do projeto os pesquisadores da Embrapa Uva e Vinho Celito Crivellaro Guerra, Gildo Almeida da Silva, Jorge Tonietto, José Fernando da Silva Protas, Loiva Maria Ribeiro de Mello, Mauro Celso Zanus e a analista Bruna Carla Agustini.

Enfim, um trabalho de padrão internacional.

 


Segundo o Epagri,  “O livro está dividido em 12 capítulos que trazem um panorama da primeira década da vitivinicultura de altitude (2009 a 2019) e do processo de delimitação da região produtora, Apresentam a caracterização climática, dos solos, das paisagens naturais e dos principais aspectos socioeconômicos da região produtora que a diferenciam das demais que produzem vinhos finos no Brasil; descrevem o padrão de desenvolvimento da videira em função das peculiaridades climáticas e paisagísticas da região de altitude; apresentam as principais variedades de videiras e o potencial enológico para a região; expõem as leveduras utilizadas na transformação do mosto em vinho como partes fundamentais da qualidade final dos vinhos de altitude.

O livro também exibe os aspectos físico-químicos e sensoriais que representam a qualidade dos vinhos finos de altitude de SC e os elementos do caderno de especificações técnicas e do sistema de controle para a estruturação da indicação de procedência vinhos finos de altitude de SC, que são os principais instrumentos regulatórios para a garantia da qualidade dos vinhos de IG.” Meu caro leitor ou leitora, em resumo, é um trabalho com visão 360 graus.

Conversei com Humberto Conti, presidente da Vinícola Villaggio Conti. Conheço alguns dos vinhos de uvas italianas da Conti e são mesmo excepcionais, e Humberto sabe o que fala: é engenheiro de alimentos pela UNICAMP, Pós-graduado em ciência de alimentos pela Universidade de Milão, Mestre em ciência e tecnologia de alimentos pela UFC e com MBA em gestão estratégica da inovação tecnológica pela Unicamp. Conti é o atual Presidente da Associação Vinhos de Altitude – Produtores Associados de Santa Catarina e foi pesquisador científico e executivo da Souza Cruz por 3 anos na Inglaterra. Veja o que ele me disse:

Rogerio Ruschel - Qual a importância que este estudo tem para a região, produtores e para a IG? Como ele pode ajudar a Associação dos Produtores?

Humberto Conti – “O estudo foi parte dos trabalhos para a submissão ao INPI para obter a nossa IP. Uma IP cria uma identidade em função das caraterísticas únicas que temos em nosso território, na forma que conduzimos nossos vinhedos e as castas vitiviniferas que usamos em nossos vinhos. Seguindo as normas de procedimento e conduta valorizamos nossos produtos e asseguramos qualidade em todos os produtos que conseguem o selo IP.

Rogerio Ruschel - Dentre os vários elementos do terroir identificados no estudo, quais os que você considera os que são fundamentais para a identidade da região - clima, solo, temperatura, variedades, leveduras?

Humberto Conti - O que diferencia de forma mais marcante a nossa região é a altitude. Os vinhedos estão localizados entre 840 e 1400 msnm. A altitude propicia uma maturação mais lenta e um ciclo mais longo devido à amplitude térmica, o que resulta em vinhos mais equilibrados. (Amplitude térmica,meu caro leitor, é a diferença entre as temperaturas máxima e mínima em um dia).

Rogerio Ruschel -  Ao que parece as uvas de origem italiana tem um melhor potencial para a IG do que uvas de origem francesa. Isso é verdade? Isso já pode ser percebido no mercado?

Humberto Conti - As castas italianas tem se destacado aqui e em diferentes regiões do Brasil nas últimas décadas, afinal a vitivinicultura de qualidade no Brasil tem somente 30 anos. Não se plantava e não se testava uvas italianas, os primeiros empreendimentos foram em castas internacionais francesas, o mesmo ocorreu em nosso terroir, algumas com muito sucesso como a Sauvignon Blanc que é um ícone nos vinhos brancos da região, por essa razão e por ser um terroir novo com muito a ser explorado é cedo para definir as castas que melhor se expressam por aqui. Na submissão ao INPI deixamos em aberto, com todas as castas que cultivamos por acharmos que não é o momento para amarras.”


O livro é grátis e está aqui: http://sistemas.epagri.sc.gov.br/semob/consulta.action?subFuncao=consultaPublicacoesDetalhe&cdDoc=47709

 

Saiba mais aqui: http://www.invinoviajas.com/2019/02/convite-comunitario/

 

Saiba mais aqui: https://invinoviajas.blogspot.com/2020/01/conheca-villagio-conti-o-milagre-do.html

 

Fotos de Luiz Fernando de Novaes Vianna