Por Sonia
Denicol (*)
Semana
passada estive na Expovinis, uma feira internacional de vinhos que estava sendo realizada em São Paulo, e vivi um
momento bem especial. Há 10 anos atrás eu conheci um pequeno projeto da Vinícola
Lidio Carraro, de Bento Gonçalves, no sul do Brasil, que chamava atenção do mercado por sua ousadia de produzir
vinhos com uma proposta purista, sem uso de barricas de madeira, sem
intervenções ou correções e sem filtragens. Tudo em prol de revelar um vinho
com identidade brasileira. (Abaixo, parte dos vinhedos da Lidio Carraro).
Uma
identidade que para esta família (veja na foto abaixo) sempre esteve
focada no trabalho no campo, no solo, estudado minuciosamente por sua
carismática e competente enóloga, a Monica Rossetti, com quem tive o privilégio
de andar pelos vinhedos, pelas parcelas demarcadas por ela, de acordo com tipo
de solo e inclinação, para conhecer a fundo o que cada uma delas era capaz de
revelar em cada um dos vinhos. Que trabalho lindo, naquele momento confesso que
chorei! E foram estes vinhos que me fizeram enveredar na busca pelos caminhos
das pequenas produções mais puras e autênticas, e que me fizeram descobrir um
outro Brasil produtor de vinhos, diferente daquele que a gente conhecia até
então.
Que
ousadia foi esse projeto, bem vinda ousadia! Lembro que na época choveram
críticas dos defensores dos vinhos super-encorpados, amadeirados e alcoólicos,
de preferência de origem não nacional. Natural, afinal tudo que é diferente
causa impacto e rejeição. Mas a Lídio Carraro não se deixou abater, seguiu em frente,
sem se render aos padrões. E valeu a pena! O projeto cresceu e se consolidou, a
ponto da vinícola ser escolhida pela FIFA para produzir o vinho representante da Copa do
Mundo de 2014. (Abaixo, a fonte do vinho da Copa do Mundo: os vinhedos da Lidio
Carraro em Bento Gonçalves, sul do Brasil)
Pois semana passada reencontrei a querida Monica
Rossetti (veja na foto abaixo) pelos corredores da Expovinis, algo raro nos últimos
anos, já que atualmente ela se divide entre a produção dos vinhos da Lídio aqui
no Brasil e seus estudos na Itália. Ela me convidou para assistir a palestra
que estava indo ministrar naquele momento para contar sobre o projeto Faces, o
vinho da Copa. Foi muito interessante
conhecer como foi pensado todo esse projeto - pena não ver nenhum formador de
opinião ou crítico de vinhos na sala...
Quando
a Lídio foi convidada para produzir o vinho da Copa logo a ideia foi a de
buscar um vinho que revelasse o Brasil para o mundo, um país marcado pela
diversidade. O desafio era então produzir um vinho especial, em volume
suficiente, com qualidade, que revelasse a identidade do vinho brasileiro para
o mundo e, muito importante, que pudesse ser bebido e entendido facilmente por
todos os consumidores, iniciantes e iniciados, brasileiros e estrangeiros. Fazendo uma analogia com o evento
a que este vinho se destinava, a proposta foi então de buscar uma seleção de
uvas que pudesse compor um time equilibrado e expressivo para representar o
vinho do Brasil. O Rio Grande do Sul foi o terroir eleito para a seleção das
uvas, já que o estado é responsável por 90% da produção nacional, e onde estão
plantadas todas as variedades mais representativas.
Foram
elaborados 3 vinhos, um branco, um rosé e um tinto (veja o tinto, acima), todos com a proposta de
expressar a diversidade, a descontração e a alegria dos brasileiros. (Veja na
foto abaixo a embalagem com os produtos finais sendo apresentados para a
presidenta do Brasil, Dilma Rousseff). O branco é um assemblage das uvas
mais representativas: Moscato Bianco, Chardonnay e Riesling Itálico, cada uma
aportando ao vinho suas características mais peculiares, com os aromas
deliciosos da Moscato, a elegância da Chardonnay e o frescor da Riesling. Um
vinho para contar um pouco da história e trazer a alegria. O rosé foi pensado
para homenagear a descontração e a sensualidade dos brasileiros, com um vinho
versátil e gastronômico, capaz de harmonizar com a vasta culinária brasileira.
Para esta seleção foram escaladas a Pinot Noir, a Merlot e a Touriga Nacional.
Depois
de uma longa reflexão, o tinto veio de uma inspiração que a Monica teve
enquanto assistia a uma partida de futebol: fazer uma seleção de 11 uvas. E aí veio o desafio: que time escalar? E qual
seria a tática? A estratégia foi selecionar
uvas para, nas palavras da Monica “criar um vinho com intensidade de aromas,
muita fruta, boca agradável e bom corpo.” Definida a tática ficou fácil escalar o time, composto
Cabernet Sauvignon, Touriga Nacional, Tempranillo, Pinot Noir, Teroldego,
Tannat, Nebbiolo, Merlot, Ancelotta e Alicante Bouschet, com o arremate macio e
doce da Malbec para finalização do paladar. (Abaixo, veja os diversos vinhos que
“entraram em campo” para fazer o belnd final do Faces tinto).
Um
vinho que sem dúvida mostra as belezas e os sabores da nossa diversidade, que
não se define por um único povo, assim como nosso vinho não se define por uma
única uva. É mais do que um simples símbolo produzido para a Copa, é um vinho para
mostrar ao mundo um até então desconhecido Brasil produtor de vinhos.
Para
finalizar esta apresentação especial, fomos brindados com uma degustação em
primeira mão do lançamento da vinícola, o Merlot 2008 comemorativo aos 10 anos
da Lídio Carraro. Um vinho de incrível estrutura, mostrando a força e a raça
das terras de Encruzilhada do Sul. Com a presença tímida e emocionante do Sr.
Lídio Carraro, que começou este projeto, brindamos a estes 10 anos de trabalho
bem sucedido (na foto acima, Monica Rosseti, Lídio Carraro e Patricia Carraro). E eu, em silêncio com minha taça, comemorei com este vinho meus
10 anos de trabalho! (Abaixo, Sonia Denicol em Verona, Itália.)
Outros posts
da série Taças na Copa:
Os vinhos do craque
espanhol Andrés Iniesta:
(*)
Sonia Denicol é sommelier com grau 3 na Wine & Spirit Education Trust, trabalha com vinhos há 10 anos e registra suas descobertas no blog http://madamedovinho.blogspot.com.br/,
com o pseudônimo de Madame do Vinho, uma autora com muita sensibilidade e apaixonada por vinhos brasileiros.
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