Por Rogerio Ruschel
A identidade territorial pode agrega valor, prestígio e
competitividade aos produtos da agricultura familiar no Brasil
Meu
prezado leitor ou leitora, com o Acordo Mercosul – União Europeia produtos agroalimentares europeus de alta
qualidade com identidade territorial (como Camembert, Gorgonzola, Bologna, Pata Negra,
Conhaque, Champanhe...) vão
competir entre si por preço, dentro do território brasileiro – e corremos o risco de
ficar só assistindo. Na
Europa mais de 80% são produzidos por famílias e pequenos produtores. No Brasil
também: a Agricultura Familiar produz 70% do feijão nacional, 34% do arroz, 87%
da mandioca, 46% do milho, 38% do café e 21% do trigo; é responsável por 60% da
produção de leite e 59% do rebanho suíno, 50% das aves e 30% dos bovinos. Conta
com amplos programas de apoio com Microcrédito Rural, com o Programa Nacional
do Fortalecimento da Agricultura Familiar - Pronaf e outros, como a compra para
o programa de Merenda Escolar.
Mas centenas de produtos brasileiros oriundos
da Agricultura Familiar sofrem com preconceito e só encontram compradores na
Merenda Escolar e outros programas governamentais e conseguem distribuição apenas
na feira de sua cidade, em postos de gasolina ao longo das rodovias ou em
pequenos mercados. Por quê não poderiam ser tratados como seus similares
europeus como delicias de qualidade global pelas quais deve-se pagar muito
caro? A resposta é simples: os europeus investem em marketing de identidade
territorial para agregar valor, porque já aprenderam que apenas financiar a
produção não é suficiente nestes tempos de competição difícil em mercados
globais.
Nossos
produtores precisam aumentar a produtividade e a qualidade, claro, mas também a
competitividade. E para isso é necessário ampliar sua percepção de mercado e
investir em marketing que cria diferenciais, como por exemplo, como uma
identidade própria, exclusiva – como o queijo Canastra. Como com o Acordo Mercosul –
União Europeia o preço vai aos poucos perder importância na decisão de compra,
a valorização da personalidade de uma Marca Própria e a identificação de um
produto com um território - seja um Selo Senaf, Marca Coletiva, Identidade
Geográfica ou Denominação de Origem – será (como sempre foi) o único elemento
que de fato vai diferenciar, personalizar e agregar valor a um produto quase
commodity no Mercado Global.
Oportunidade rara para a Agricultura Familiar
Valorizar produtos agrícolas
locais, pequenos, caipiras é uma iniciativa que beneficiará diretamente cerca
de 5 milhões de pequenos produtores familiares (20 milhões de pessoas), segundo
dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Também
segundo o Mapa, a agricultura familiar tem um faturamento anual de US$ 55.2
bilhões, uma renda que corresponde a 33% do PIB agropecuário do Brasil.
Estamos
trabalhando, mas precisamos acelerar. Em novembro de 2018 o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) criou o Selo
Nacional da Agricultura Familiar (Senaf), para rastrear,
identificar e promover produtos da agricultura familiar. Trata-se de uma
espécie de IG – Identificação Geográfica; serão 6 tipos de Selos (Mulher,
Juventude, Quilombola, Indígena, Sociobiodiversidade
e Empresas) emitidos para cooperativas,
associações agrícolas, agricultores e empresas com forte produção familiar.
Cerca de 750 deles já foram entregues e podem ser encontrados no portal Vitrine
da Agricultura Familiar (http://vitrine.mda.gov.br/), que se identifica como “um catálogo
de produtos e serviços que explora o diferencial da agricultura familiar no que
se refere às dimensões econômicas, sociais e ambientais” operado pela Secretaria
de Agricultura Familiar e Cooperativismo, do MAPA (veja abaixo).
Essa
iniciativa é muito bem vinda, mas mais uma vez não incentive a percepção de que
produtores privados precisam aprender a competir. Não há oferta de cursos para capacitação
em marketing, e por esta razão eles continuarão sem uma visão adequada do
mercado Local, Regional e Global; não saberão como posicionar seus produtos e como
fazer a gestão dos 4 Ps – Produto, Praça, Preço e Promoção. E sem saber estas
coisas não estarão preparados para competir com seus concorrentes estrangeiros.
Produtos que tiverem qualidade e se unirem com a comunidade e governo e
com as cadeias produtivas das quais fazem parte, poderão investir na
certificação de origem e agregar até 100% de valor ao produto final, que é o resultado
de muitos exemplos.
O Acordo
Mercosul - União Europeia é a oportunidade que sinaliza urgencia mudar este quadro.
Imagine: um queijo do interior pernambucano ainda sem marca ou prestígio, competindo
com um Camembert francês com preço quase similar; ou uma pretigiada geleia
francesa que antes custava R$ 28,00 e agora custa R$ 18,00 competindo com uma
geleia brasileira que custa R$ 16,00! Vai ser mesmo difícil estabelecer uma
relação custo-benefício que derrube o preconceito que temos contra nossos
produtos e valorize o produto nacional a ponto de construir preferência.
A
hora é agora, até porque existe mais um importante fator positivo: Fernando Henrique
Kohlmann Schwanke, Secretário de Agricultura Familiar e Cooperativismo do MAPA,
tem formaçnao refinada, é um especialista em certificação e marcas coletivas
com experiência internacional, inclusive na ONU (FAO), tem percepção da
importância das regras do mercado e certamente encontrará apoios para esta
mobilização.
O
quadro abaixo publicado
na Revista de Economia e sociologia Rural de Junho/2012 mostra
que o valor produzido por hectare é positivo para os agricultores familiares.
Ao que parece, o que falta mesmo é agregar valor ao preço de venda. Enfim,
meu caro leitor ou leitora, o elo que falta na corrente é aprender a fazer
marketing como nossos concorrentes europeus para poder conquistar primeiro o
consumidor brasileiro e depois o consumidor estrangeiro.
Certificação de origem como marketing
Vários produtos
brasileiros demonstram que isso é possível e tem conquistado o mundo valorizado
sua identidade territorial, com certificação da origem formalizada no Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (INPI), como o café do Cerrado Mineiro,
os queijos Canastra, Serro e Araxá, o Pão de Queijo de Minas, a cachaça de
Paraty e os espumantes de Pinto Bandeira. Estes são alguns dos 61 produtos
brasileiros com certificação de origem (129 em processo de registro) que superaram
preconceitos, inércia e a síndrome de que produtos importados são melhores do
que os brasileiros. E os mesmos
princípios se aplicam ao turismo de base comunitária, turismo comunitário e
turismo com identidade.
Mas não basta buscar
a certificação: muitas das comunidades que já se organizaram como Marca
Coletiva, Identidade Geográfica ou Denominação de Origem simplesmente “esquecem”
de comunicar ao mundo os diferenciais do seu produto e os benefícios que o
consumidor vai ter com eles. Fazem 80% do trabalho e desistem na parte mais
importante. A explicação é que marketing não faz parte do conhecimento tradicional
de produtores rurais, especialmente os de pequeno porte. Mas temos que e
podemos incluir cada vez mais conceitos de marketing nos programas de desenvolvimento
e certificação do governo federal, estadual e municipal, de Sindicatos Rurais,
Associações de produtores, Universidades, ONGs, entidades como Sebrae, Senar e
Senac, Federações de Indústrias e outras entidades da sociedade civil interessados
no nosso desenvolvimento como Nação.
Estas teses são
apresentadas com muitos exemplos, depoimentos e cases, do Brasil e do exterior, no meu livro “O valor global do produto local – A
identidade territorial como estratégia de marketing” (abaixo). Publicado em junho de
2019 pela Editora Senac SP, é o primeiro
livro do Brasil a apostar na valorização dos produtos locais e com identidade
territorial e resulta de pesquisas, entrevistas, aulas e palestras que venho
realizando há mais de 15 anos.
Precisamos
apoiar a Agricultura Familiar brasileira para que ela possa acompanhar o
restante do agribusiness do país. A Assembleia Geral
da ONU declarou o período 2019-2028 como a Década da
Agricultura Familiar, e segundo a FAO, a agricultura familiar também pode
ser um aliado fundamental para salvaguardar a biodiversidade e o meio ambiente
e promover sistemas alimentares sustentáveis e resilientes.
E além disso não custa repetir: valorizar a identidade
de produtos locais é uma poderosa ferramenta de sustentabilidade porque
incentiva cadeias produtivas de base local, gera emprego e renda no território,
promove o orgulho cidadão na comunidade, divulga o território e atrai turistas
e investimentos.
Meu caro leitor ou leitora, se você quiser levantar
esta bandeira, conte comigo.
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