Por Rogerio Ruschel
Meu prezado leitor ou leitora, o Acordo
Mercosul – União Européia vai trazer dificuldades e oportunidades para os
brasileiros. Voltarei a este tema outras vezes, mas quero registrar hoje
minha opinião sobre porque fazer marketing de guerrilha é a única solução
definitiva para defender nossa trincheira na batalha de mercado neste Acordo, e
apresentar uma opinião de um
não-brasileiro que pode nos ajudar a refletir sobre este momento da nossa
realidade. Aliás, isso não serve apenas para os
vinos, mas para todosos produtos com valor agregado, especialmente
agroalimentos como queijos, pães, doces, frutas, geléias, sucos, frios,
embutidos e tantos outros - voltaremos a isso também em outros artigos.
Meus argumentos são óbvios e você vai ver a
seguir, mas antes quero lhe apresentar a opinião de António Martinho,
empresário português, diretor da Casa da Trigueira, um charmoso empreendimento
de turismo rural em Santa Eugenia, Alijó, no Vale do Douro, Portugal. Não o conheço
pessoalmente, mas encontrei em seu blogue “Visto da Janela”, muitos textos inteligentes,
e ele é um empresário que traduz com sobriedade o que está vendo pela janela.
No dia 9 de agosto Martinho publicou no jornal “A Voz
de Trás-os-Montes” de Vila Real, um artigo
sobre uma nova redução no plantio de uvas para a produção do vinho do Porto, um
dos mais importantes e estratégicos recursos
endógenos do território.
No artigo, publicado com o título de “Mais
cortes no benefício”, Martinho reflete sobre um fato que também ocorre em
outras regiões do mundo: equilibrar a produção de uvas com a demanda pelos
vinhos é necessário para equilibrar preços, mas socorrer-se sempre de recursos
do Estado (isto é, do povo), para fazer isso, não é correto. Para os portugueses
a razão é um “talvez futuro risco de redução de vendas com o Brexit”. A
solução, para Martinho, é fazer marketing como o setor do turismo já o faz – e
ele sabe que isso funciona porque foi Presidente da Entidade
Regional Turismo do Douro.
Por uma série de razões – que começam
pelo fato de que a vitivinicultura gera emprego e renda para milhares de
pequenas empresas familiares – a utilização de recursos públicos para promover vinícolas e organizações privadas ocorre no mundo
todo e no Brasil também. Os europeus dispõe de cerca de 1,1 bilhão de Euros por
ano para apoiar a melhora de seus produtos.
No Brasil nosso maior representante, o
Ibravin – Instituto Brasileiro do Vinho, é mantido por recursos do ICMS do Rio
Grande do Sul. Esta organização está buscando ampliar o apoio público por causa
de uma “potencial incapacidade de concorrer com vinhos europeus a partir do
Acordo Mercosul – União Europeia” e divulgou uma lista de medidas
compensatórias, veja a seguir.
“Medidas
Compensatórias
Para evitar o impacto do desequilíbrio na
concorrência causado pela abertura total do mercado do Mercosul aos vinhos
europeus, são necessárias medidas de apoio para ampliar a competitividade dos
vinhos brasileiros, tais como:
- Redução da carga tributária – tanto na fase de
produção como na comercialização (Reforma tributária);
- Redução do custo brasil – logística,
distribuição. Atualmente é muito mais fácil e rápido importar do que
produzir vinhos.
- Disponibilização de créditos com baixas taxas de
juros para comercialização de safra, carregamento de estoques e para
investimentos, com prazos e condições compatíveis com o ciclo de produção e
rentabilidade de cada produto;
- Ampliação do apoio para seguro agrícola;
- Ampliação do apoio para promoção das exportações
de produtos vitivinícolas brasileiros;
- Promoção no mercado interno para aumento de
consumo”
É certo que a concorrência com e entre vinhos
europeus de qualidade superior vai ocorrer nos supermercados brasileiros porque,
como você sabe, o consumidor brasileiro vai encontrar vinhos internacionais por
preços menores nos próximos anos. Aliás, mesmo se o presidente Donald Trump
continuar fazendo pressão e conseguir “melar” o Acordo com os europeus,
propondo um amplo Acordo comercial “Estados Unidos – Brasil” no lugar, o
resultado vai ser o mesmo: competição, em nossas trincheiras, direta de produtos brasileiros com
produtos importados de melhor qualidade – neste caso, especialmente da
California, que responde por cerca de 90% de toda a produção “made in USA”
Certamente o Acordo Mercosul – União Europeia
tem potencial para causar problemas aos produtores brasileiros. Mas os danos
podem ser maiores porque muitos dos nossos empresários do vinho sempre
preferiram investir mais em lobby do que em marketing. Além disso, como dá para
ver nos quadros acima e abaixo, o Brasil é um médio produtor de vinhos finos e nossa
produção diminuiu, o que não nos ajuda em termos de importância no cenário
internacional.
Mas existe uma oportunidade histórica de
reverter este quadro e fazer o correto, que é valorizar o produto brasileiro, em vez de
apenas protegê-lo. Se confiarmos na qualidade vamos vencer – como
estamos vencendo com nossos espumantes. Temos um período de 10 a 12 anos para
nos preparar para competir com mobilização para fazer pressão para o aumento da
eficiência do Estado, reducão do “custo Brasil”, modernização de políticas
públicas de financiamento à produção e a necessária redução de impostos. Tudo
isso é justo e necessário. Mas o que vai mesmo fazer diferença de maneira
definitiva, é mudar o padrão de nossa capacidade de competir investindo no
óbvio, os conhecidos 4 Ps do marketing: Produto, Preço, Praça e Promoção.
Porque, meu caro leitor ou leitora, produzir,
desenvolver, posicionar e promover uma marca de vinho, um produto privado no
mercado interno, é um compromisso privado e não deveria receber recursos públicos,
em qualquer segmento e país. Isto pode ser antipático para os produtores que
preferem socializar o risco, e privatizar os lucros, mas é a solução definitiva
para seus descendentes. Deixo você com o que António Martinho enxerga da janela dele, em Portugal, para
ajudá-lo a refletir sobre o que eu vejo da minha janela aqui no Brasil.
Mais cortes no benefício
Por António Martinho
"Por estes dias, neste Douro, região
demarcada, em muitas freguesias dos vinte e um concelhos que a formam, era
habitual os lavradores aguardarem, com ansiedade, a chegada do “Cartão”. Sempre
foi assim até que a internet se vulgarizou. Melhor. Alguém, no Terreiro do Paço
– sempre o Terreiro do Paço – se convenceu que havia computadores espalhados
por todos os cantos do Douro. Mais ainda, que todos os lavradores que passam o
ano à volta das videiras eram peritos em consultar os sites
disto e daquilo. E agora, o cartão do benefício já não chega pelo correio.
Tira-se do site do Instituto dos Vinhos do
Douro e Porto. “Faz-se um print nos engenheiros, na associação, na cooperativa
e dão-nos o papel”.
Este ano, vai por aí um desencanto!... Por aí
e por aqui. O benefício, a autorização para beneficiar mosto com aguardente
vínica que depois será denominado Vinho do Porto, deu mais um trambolhão. Mais
um corte de 8 000 pipas. A somar às 2 000 do ano passado. A este
ritmo, em dois, três anos, atinge-se o quantitativo de 2011, as 85 000, de
má memória.Compreende-se que o quantitativo de benefício seja regulado, estabelecido através de uma parceria entre a produção e o comércio. Reconhece-se que não pode subir todos os anos. O mercado também oscila. O consumo depende de muitos fatores. Procurei no Comunicado de Vindimas as razões de tão acentuada diminuição. Não encontrei. Por tal facto, terei que me ater ao que fui lendo em declarações dos membros do Conselho Interprofissional. Aqui e ali. Desde logo em A Voz de Trás-os-Montes da passada semana. A “redução reflete a constante quebra de vendas do vinho do Porto”; há a preocupação com o “Brexit” que poderá afetar “muito” as vendas. São razões dos exportadores. Já se pensa nas consequências de que pode vir a acontecer. Convenhamos, mas este argumento não colhe.
Aliás, sabe-se que há no Douro empresas exportadoras que, com antecedência, definiram estratégias para minorar as consequências da saída do Reino Unido da União Europeia. Quanto aos representantes dos produtores, por estranho que possa parecer, usam argumentos semelhantes – “perda contínua de vendas”. Há dias, alguém com responsabilidades no setor me segredava: «quando a Casa do Douro estava em ação, os lavradores sentiam-se mais amparados». Pois claro. Agora, os culpados são os do costume. É preciso mais investimento público na promoção. Culpa do “Brexit”, também.
Fique claro que partilho a convicção e defendo que as taxas cobradas na região demarcada não são, não podem ser receitas do Estado. Mas a promoção da região e dos seus produtos, nomeadamente, do seu produto de excelência, que é o vinho do Porto, não pode ser uma tarefa exclusiva, nem, sobretudo, do Estado. Veja-se o turismo e o papel que as empresas assumem na promoção do destino. No Douro, desde logo. No Algarve, na Madeira e em Lisboa. E noutros setores. Faça-se promoção. Façamos promoção e não estaremos sujeitos a cortes de benefício tão significativos.”
Foto da abertura: "FEB: heróis de
gelo", do site Kickante.
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