Por
Rogerio Ruschel
Prezado
leitor ou leitora, o Brasil dos vinhos é mesmo surpreendente. Semana passada fui
surpreendido ao provar um Syrah produzido pela Bambini em um terroir diferente, o do Cerrado Mineiro que
fica a 1.672 Km de Bento Gonçalves – RS (a distância de Roma a Montepulciano) e
1.745 Km de Petrolina – PE (a distância de Lisboa a Paris), os dois grandes
pólos vitivinícolas do Brasil. Vou contar esta história.
Mas
antes, para os leitores de “In Vino Viajas” não brasileiros, informo que o
Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil, ocupando cerca de 2 milhões de K2
em 10 estados e do Distrito Federal, especialmente no Centro-Oeste. Tem clima
tropical com estações seca e chuvosa bem definidas e uma temperatura média
anual entre 21ºC e 27ºC. Como é plano ou suavemente ondulado, o solo é adequado
para o plantio de grãos, para agricultura mecanizada e irrigação. Por isso é
que o Cerrado é o território do agrobusiness brasileiro de exportação, onde
crescem cerca de 60% dos grãos de soja e milho e alguns dos melhores cafés do
país.
Sempre
houve pessoas que acreditaram que o Cerrado poderia ser um bom terroir também
para uvas viníferas por causa das características do solo arenoso
e com boa drenagem, pelo clima e
também pela amplitude térmica entre dia e noite; no bioma já foram ou são
produzidos vinhos com uvas americanas ou híbridas e uvas de mesa. Em Goiás, por
exemplo foram produzidos vinhos na década dos anos 1990 e 2000 e também em
Minas Gerais, em 2006, quando a Empresa
de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) produziu 10.000 garrafas de
um tinto Syrah em João Pinheiro, no Vale do Paracatu.
Pois o Syrah
que degustei veio da Fazenda Fortaleza, município de Cruzeiro da Fortaleza, no Triângulo
Mineiro, pelas mãos do casal Flávio e Ana Paula Bambini –familia oriunda da
Toscana, emigrada em 1860. Eles são conhecidos produtores de café e em 2015
começaram o "Projeto Fortaleza" para desenvolver um novo terroir
de vinhos finos no Brasil. A primeria safra saiu em 2017; provei uma das cerca
de 2.000 garrafas da safra 2018, com 14%, safra de inverno, vinificado pela
Epamig.
De coloração
bem intensa, com tons violetas opacos e denso na taça, na boca me lembrou frutas
negras com aromas de fundo como tabaco, algo de couro e até mesmo um toque
resinoso bem leve. Medianamente encorpado e com taninos médios, achei um pouco
seco para meu gosto. Na verdade procurei uma harmonização também inesperada
para um vinho inesperado: abri o Syrah Bambini 2018 sem aeração para acompanhar
um bacalhau cozido com legumes e temperos fortes, imaginando que ficaria
equilibrado porque é um vinho sem madeira. De
qualquer maneira o café foi o Três
Corações da série Rituais Cafés Especiais, com Denominaço de Origem – D.O. Café do Cerrado Mineiro.
O Syrah Bambini é resultado de fé e dedicação.
Flávio Bambini conta: “O Dr. Frederico
Novelli, da Vitacea Brasil, nos assessorou na implantação de um vinhedo baseado
nas premissas técnicas conhecidas para a região. Além das características do
solo e cima vimos a possibiidade de usar a tecnologia de manejo da dupla poda,
que permite que a maturação da uva ocorra no outono/inverno e não no verão.
Isso deixa a uva mais madura para a vinificação.” Aproveito para lembrar que
esta técnica, criada pelo engenheiro agrônomo Murilo Albuquerque Regina, do
Núcleo Tecnológico Uva e Vinho – Epamig Caldas, que “engana” a videira também
viabilizou as safras contínuas no Vale
do São Francisco, no sertão nordestino; na serra gaúcha a vindima é no verão.
O trabalho da Fazenda Fortaleza é parte de
mais iniciativa para implantar a vitivinicultura definitivamente no Cerrado
brasileiro: o projeto Vinhos do Cerrado, uma mobilização de produtores de café
bem sucedidos do Cerrado Mineiro, com 20 participantes e cerca de 10 hectares.
Anote: em alguns anos o grupo já poderá estar produzindo vinhos também com a
uva Cabernet Sauvignon e fazendo testes com a Sauvignon Blanc. E como os
produtores tem boa assistência técnica (Epamig, Embrapa, universidades),
experiência em trabalhar coletivamente com a bem sucedida Denominação de Origem
Café do Cerrado Mineiro e à disposição a estrutura de governança da Região do Cerrado Mineiro,
o projeto Vinhos do Cerrado tem tudo para dar certo.
Os produtores estão se preparando também na área de
turismo para quando isso acontecer: já planejam criar uma Rota do Café e do
Vinho do Cerrado Mineiro aproveitando as sinergias com o famoso café da região.
E eu espero que também incluam outros produtos de sabor regional que são
legítimos Tesouros do Fundo do Quintal como o queijo do Cerrado, as cervejas com laranja,
rapadura, café e goiabada cascão, o licor de pequi e produtos artesanais.
Brindo a isso.
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