Meu caro leitor ou leitora publico hoje mais uma
entrevista exclusiva com umas pessoa excepcional: desta vez com o maior
comprador de vinhos do Brasil, Carlos Cabral, responsável pelas operações do
Grupo Pão de Açúcar – o simpático senhor da foto acima. Se você trabalha com
vinhos não pode deixar de ler, porque Cabral me revelou o “caminho das pedras”
(ou das gondolas) para produtores, distribuidores e importadores colocarem seus
vinhos nas prateleiras das lojas. Mas se você apenas gosta de vinhos, também
não deixe de ler, porque em 50 anos de vida dedicada ao vinho, Cabral
certamente pode dar conselhos de grande sabedoria.
O Grupo Pão de Açucar (GPA) é a maior rede varejista do Brasil, com
mais de 2.000 pontos de venda. Cerca de 1.000 lojas são da divisão GPA
Alimentar e vendem vinhos nas redes Pão de Açúcar (186 lojas), Extra (300),
Minuto Pão de Açúcar (82), Mini Extra (183), Assai Atacadista (130
lojas) e Compre Bem. O grupo também opera um clube de vinhos, o Viva Vinhos Pão
de Açúcar. GPA ainda tem 900 lojas
das marcas Casas Bahia, Pontofrio e Lojas Bartira. A empresa faz parte do Grupo
Casino, da França, e é também a maior empregadora privada do Brasil em seu
segmento, com cerca de 142 mil funcionários; depois do governo federal o GPA
deve ser o maior empregador brasileiro.
Pois esta empresa vende milhões de garrafas
de vinhos por ano, e o comprador se chama Carlos Cabral – ou Carlos Ernesto
Cabral de Mello. Cabral me recebeu no seu escritório (foto acima) e me revelou
muitas coisas, mas não me disse o quanto de vinhos compra e vende por ano. Mas
certamente são milhares de caixas, provavelmente milhões de garrafas. Veja a
seguir algumas das revelações de Cabral.
R. Ruschel – Quantos rótulos o GPA oferece a seus clientes? Quais
os vinhos mais vendidos?
C. Cabral – “No Pão de Açúcar e no Extra
já tivemos à venda mais de 1.000 rótulos,
mas atualmente são cerca de 800, o que é um ótimo número porque oferece
todas as alternativas para quem compra e facilita um pouco mais para nós que
recebemos, estocamos, distribuimos para as lojas e gerenciamos o processo em 17
Estados brasileiros. Em termos de volume, os vinhos mais vendidos são chilenos,
com 44% do volume. Depois vem os vinhos de Portugal com 15%, 10% da Argentina,
9% da Italia, 4% da França e os restantes 18% são do Brasil, Espanha, Uruguai,
Alemanha, Austrália, Nova Zelandia, Estados Unidos e outras regiões. (Nota do
editor: Verifiquei no site do Extra: a rede oferece aproximadamente 147 rótulos
chilenos, 196 vinhos na categoria europeus, e 129 rótulos brasileiros e de
outros paises.)
R. Ruschel – Quem está crescendo e quem está perdendo mercado?
C. Cabral – Além do Chile que mantém a
velocidade na conquista de mercado, os portugueses parece que redescobriram o
mercado brasileiro de uns três anos para cá. E estão decididos a aumentar a
presença. Os espanhois fizeram nitidamente uma opção pela China e se esqueceram
do Brasil, e os franceses pouco investem, talvez porque se interessam apenas
por segmentos de maior valor. Os argentinos se beneficiam dos acordos de
Mercosul e da proximidade e mantém posição.
R. Ruschel – E os vinhos brasileiros? Em quais você mais confia na
venda, que tem mais saída?
C. Cabral – Nossos espumantes, com
certeza, vão contunuar crescendo a taxas mais elevadas do que os vinhos
tranquilos. Pelo menos tem potencial para isso. Acertamos a mão. Viajo com
frequência e vejo que o prestígio de nossos espumantes está cada vez maior.
Temos boas vendas para espumantes da Cave Geisse, da Miolo, da Casa Perini, que
tem ótimos moscatéis, os da Casa Valduga e das duas cooperativas, a Garibaldi e
a Aurora. Todos tem espumantes de qualidade. Já entre os vinhos tranquilos destaco
os da Miolo (da campanha gaúcha), os rótulos Talento e Desejo da Salton, o
Pizatto Merlot, excepcional, e os brancos da Valduga, muito bons – entre
outros. Outra coisa: o suco de uva brasileiro é o melhor do mundo. Feito com
uvas Isabel, Concorde e Bermont em sua maioria, parece que você pega um cacho
de uvas na mão, espreme e bebe, de tão bom que é. Os produtores brasileiros tem
dificuldade de atender o mercado brasileiro; se nós não comprarmos em julho, agosto, não vamos
ter suco de uva para vender em toda a rede no final do ano e verão. De fato é o
melhor do mundo.
R. Ruschel – Porque o Pão de Açucar não vende vinhos mais caros,
como outras lojas independentes que podem oferecer vinhos até 40 mil Reais?
C. Cabral – De fato na rede do GPA temos
lojas com perfil para vender produtos nesta faixa de preço, como o Pão de
Açucar do Shopping Iguatemi, em São Paulo, que tem o tiquet médio mais elevado
da rede. Mas nós evitamos por uma questão de impacto social, pela conotação que
isso pode ter. Pense nisso: um cliente chega no caixa e tira do carrinho uma ou
mais garrafas de vinho custando centenas de Reais cada uma, talvez o salário de
um mes inteiro da moça que está operando o caixa. Eu não gosto disso e a
empresa decidiu não vender, é uma opção.
R. Ruschel – Qual o caminho das pedras para um vinho chegar às
prateleiras do GPA?
C. Cabral - Primeiro o vinho tem que ser
bom, tem que ter qualidade. O produtor ou importador agenda comigo uma
apresentação, degusto alguma coisa e ele deixa amostras que mais tarde vou
compartilhar com meus dois compradores, caso os rótulos tenham qualidade.
Experimentamos todos e decidimos sobre o perfil de preço que ele deve ter, o
potencial de volume de vendas e a margem da loja. Se os produtos passarem por
esta primeira análise, os compradores vão entrar em contato com os vendedores
para negociar volumes, preços, condições de pagamento, aspectos de
merchandising (frentes, gondolas, degustadores, promoções) e outras coisas. Um
vinho desconhecido não consegue se vender sozinho, precisa ter degustação,
precisa de ajuda inicial no ponto de venda. Cerca de 180 pessoas trabalham
comigo nas lojas degustando, promovendo, cuidando e ajudando os clientes a
decidirem.
R. Ruschel – Você já escreveu seis livros sobre vinhos. Está trabalhando
em outro?
C. Cabral – Tenho dois
projetos. O primeiro é um livro sobre as mesas da minha vida. Será mais
artístico. Nos últimos 40 anos passei por centenas de mesas de todos os tipos,
de jantares com amigos ou familiares a banquetes empresariais para dezenas de
pessoas. E todas elas com vinhos e historias, muitas historias interessantes.
(Nota do editor: Cabral já publicou seis livros (alguns na foo acima). Um dos
livros mais interessantes foi sobre “A mesa e a diplomacia brasileira: o pão e
o vinho da concórdia”, com 264 páginas e muito elegante, no qual Cabral explora
os 6,5 milhões de documentos do Museu Histórico e Diplomático do Ministério das
Relações Exteriores do Brasil. Veja o link desta reportagem no fim desta.). O
segundo projeto de livro é algo assim como “O vinho e eu”, para comemorar meus
50 anos como enófilo que vou comemorar em 2019. Mas nenhum dos livros tem plano
de trabalho nem data.
R. Ruschel – Como está o projeto de exposição da tua coleção de
rótulos de vinhos do Porto?
C. Cabral – Comecei minha coleção no inicio
dos anos 1970 e tenho mais de 8.100 rótulos. Parece que é a maior do mundo, uma
parte já apresentei nos meus livros. Gostaria de fazer uma exposição em 2019,
mas ainda não consegui local e os recursos para fazê-la.
R. Ruschel – O que você acha da campanha de desmistificação do
vinho que está sendo feita pelo Ibravin?
C. Cabral – É uma excelente iniciativa. Sou
fiador moral, dou meu total apoio e estou procurando ajudar com ações nas
seções de vinhos brasileiros de nossas lojas. Agora a Ibravin sozinha não vai
mudar nada, precisa do apoio dos produtores, das vinícolas, porque elas é que
estão disputando no mercado e também de produtores de regiões do Brasil além da
serra gaúcha, onde o Ibravin não atua. Espero que as vinícolas brasileiras
entendam esta oportunidade e se aproximem do mercado, não apenas aumentem os
preços.
R. Ruschel – E por falar em preços, quais as principais políticas
públicas que a vitivinicultura brasileira necessita?
C. Cabral – Isso não é difícil. Primeiro é
preciso financiamento para a reconversão dos vinhedos. Isto leva cinco anos e o
vitivinicultor tem este tipo de apoio em qualquer liugar do mundo, precisamos
ter no Brasil. Depois, o óbvio: uma redução drástica de impostos. O vinho não
deveria pagar, não pode pagar ICMS, deveria ser considerado um alimento como em
vários outros países.
R. Ruschel – Você já esteve em quase todos os destinos de turismo
do vinho do mundo. Quais os mais interessantes na sua opinião?
C. Cabral – As pessoas tem percepções
diferentes do que gostam, mas para mim o primeiro é o Chile. Fica mais perto de
nós, tem roteiros próximos e distantes da capital, o verão chega a 42 graus, é
muito seco, e eles fazem um vinho excelente; e é muito bonito, tudo foi montado
para receber o turista com qualidade. Depois viriam os roteiros de Portugal, do
Alentejo ao Douro, gosto de todos, também muito bonitos e com ótimos vinhos. E
no Brasil a região do Vale dos Vinhedos, com destaque para Bento Gonçalves e
Garibaldi, onjde parece que tudo está preparado para receber os turistas como
deveria ser.
Meu caro leitor ou leitora, Cabral continua
com suas atividades de embaixador da cultura do vinho, com palestras e cursos.
Seus vídeos de educação para o consumo, do qual o episódio Boas Maneiras, número
12, já teve mais 290.000 visualizações, um espanto, continuam, embora ele
tenham me ditto que vai reduzir um pouco a velocidade.
Conheça a
historia de Carlos Cabral e seu legado na forma de livros nesta outra entrevista
que publiquei em julho de 2017 – http://www.invinoviajas.com/2017/07/conheca-carlos-cabral/
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