Por Rogerio Ruschel (*)
Meu prezado leitor ou leitora, a responsabilidade de um jornalista é registrar o que está acontecendo no seu espaço e seu tempo. Como sou jornalista e não escritor de posts, vou registrar uma mobilização muito positiva de produtores indepedentes do Brasil e da França que já organizaram dois Encontros Franco-Brasileiros do Vinho Natural, em 2015 e 2016. Eles são pequenos e em certo sentido, undergrounds – alguns dos brasileiros poderão estar, digamos assim, não atendendo 100% da imensa e voraz legislação brasileira… Abaixo, a lista de participantes brasileiros no evento de Paris.
Em março de 2015 publiquei uma reportagem sobre o Primeiro
Encontro Franco-Brasileiro do Vinho Natural que foi realizado no Brasil - veja
aqui: http://invinoviajas.blogspot.com.br/2015/03/brasil-sedia-o-primeiro-encontro-franco.html.
Veja abaixo uma foto dos participantes. Pois em maio de 2016 foi realizado o Segundo Encontro
Franco-Brasileiro do Vinho Natural (EFBVN) na França (Paris) e para que os
leitores de In Vino Viajas permaneçam bem informados, entrevistei dois dos
participantes: o brasileiro Marco Danielle, do Atelier Tormentas, de Caxias do
Sul e o francês Philippe Herbert, que teve a ajuda de Alain Inglês, da Gavinho
Importadora, do Rio de Janeiro, um dos mentores dos Encontros. Veja as
respostas a seguir.
In Vino Viajas - Você participou dos dois
Encontros; qual o mais importante? Comente sobre a programação do evento.
Philippe
Herbert & Alain Inglês
– “Os dois EFBVN foram muito importantes e dou destaque ao primeiro
pois além de ter sido mais complexo na parte de planejamento e organização, foi
o estopim de tudo; sem o sucesso alcançado com ele não haveria oportunidade para
realizar o segundo na França. O Primeiro EFBVN foi realizado em 2015 no Rio de
Janeiro e em São Paulo, o segundo em 2016 em Paris.
Os dois foram
realizado graças às seguintes ações:
(1) A iniciativa de
Philippe Herbert em contatar e convencer os produtores franceses a vir ao
Brasil e participar dos dois eventos e o mesmo no Brasil com os produtores
brasileiros através de Alain Ingles; (Abaixo foto do evento no Brasil)
(2) Aos produtores
franceses e brasileiros que "compraram" a ideia, cederam suas
amostras e vieram ao evento por conta própria (hospedagem, traslados e
alimentação ficaram por conta da organização do evento);
(3) Pelo evento
no Brasil, o primeiro dia foi no restaurante Aprazivel no Rio de Janeiro e o
segundo dia em uma galeria de arte em São Paulo. Isso aconteceu graças ao
investimento do Restaurante Aprazível: sem o apoio deles e equipe nada teria
acontecido. A Importadora Gavinho, de Alain Inglês, dividiu
o prejuízo da primeira edição junto com o restaurante Aprazível, que fez todo o
investimento inicial.
--> (Abaixo foto do evento no Brasil).
O evento na França
teve seu primeiro dia no restaurante Le Chateaubriand e segundo dia na loja
Divvino, no Marais. Os produtores franceses e brasileiros apresentaram seus
vinhos para mais de 300 participantes, a imensa maioria composta por
profissionais do setor. Foi um encontro fantástico em que todos os envolvidos
se doaram e houve quase nenhuma troca de dinheiro, apenas muita generosidade de
todos os envolvidos e muitas garrafas de vinho.
(4) A participação
essencial do Alain Ingles que ficou responsável pela logística receptiva dos
produtores no Brasil e do processo de importação formal dos vinhos servidos nos
dias de evento, pela produção dos eventos em si e negociação de parcerias.”
(Abaixo foto do evento no Brasil).
Marco Danielle
- “Creio que o mais interessante para o vinho brasileiro foi o 2º Encontro, o
de Paris, pois proporcionou uma oportunidade jamais antes imaginada, de sentir
a reação dos franceses aos nossos vinhos artesanais produzidos da forma mais
natural possível. É importante lembrar que, além representarem o segmento mais
difícil e exigente do mercado (os conhecedores de vinhos naturais), os cerca de
300 visitantes da feira eram, em sua grande parte, profissionais do setor: cavistas,
sommeliers, chefes de cozinha, etc. Então fomos avaliados à francesa, sem
concessões ou parcialidade, por wine
geeks desse complexo contexto que encerra o universo dos vinhos naturais. (Abaixo foto do
evento no Brasil).
Foi interessante presenciar a surpresa desses
profissionais com a vinicultura de uma nação que muitos deles sequer sabiam que
produzia vinhos. Foi interessante estrategicamente para o vinhos brasileiro,
pois muitos formadores de opinião franceses descobriram que não apenas pode-se
fazer vinho no Brasil, mas pode-se fazer bom vinho, e, como se não bastasse, de
forma natural. Mas o 1º Encontro, no Brasil, foi o mais importante para o vinho
brasileiro, por várias razões. Primeiro porque houve uma série de conferências
dos vinhateiros franceses, oportunidade de aprendermos a ver a vinicultura sob
um diferente prisma. Filmei essas conferências e um dia espero ter tempo para
editar e legendar esse documentário, de forma que os colegas brasileiros possam
rever os assuntos tratados. Fiz a tradução simultânea de algumas dessas
conferências, que foram muito produtivas. (Na foto abaixo Lizete Vicari, durante o evento no Brasil).
In Vino Viajas - Qual a avaliação dos brasileiros sobre os vinhos
franceses? E qual sua avaliação dos vinhos brasileiros?
In Vino Viajas - Qual a avaliação dos franceses sobre os vinhos
brasileiros? E qual sua avaliação dos vinhos franceses?
Marco Danielle – “Minha experiência se resume ao nosso espaço na feira, ao nosso estande. Só posso relatar o que presenciamos pessoalmente, pois o evento em Paris foi muito agitado e não permitiu qualquer interação com os demais expositores, franceses ou brasileiros. Uma das falhas dos dois encontros foi a quase impossibilidade de provar vinhos, quer dos franceses, quer dos brasileiros presentes no encontro. Uma vez abertas as portas, perde-se a voz de tanto falar e as energias logo se esvaem na tentativa de servir e responder a uma média de 4 a 6 pessoas paradas à frente do estande, perguntando ao mesmo tempo. Pode-se no máximo provar alguma coisa do estande vizinho. Uma sugestão para o 3º encontro seria abrir-se o salão uma hora antes apenas para os expositores visitarem todos os colegas, e provarem todos os vinhos. Quanto aos visitantes, em si, nossa experiência pessoal foi positiva. Presenciamos profissionais franceses e de diversas nacionalidades surpresos com a acidez de nossos vinhos, tão européia e tão rara no Novo Mundo. (Abaixo foto do evento na França).
Muitos elogios aos nossos dois pinots
apresentados no salão, mas muita heterogeneidade nas formas de perceber os
vinhos, e uma enorme oscilação entre as preferencias por um ou por outro - o
que é ótimo. Contudo, a interferência da moda, em Paris, é algo que me
aborrece, pois sou avesso a todo e qualquer culto à moda. Vejo que, no momento,
a moda são os vinhos naturais radicais, turvos, com aspecto de suco de fruta.
Qualquer traço clássico, notadamente a presença de madeira, por mais remota que
seja, é veementemente proscrito. Nada de madeira, extração suave, fruta viva,
são alguns dos “últimos gritos” dos quais não fazemos parte, aqui no atelier,
pois sou bastante afeito ao caráter clássico, prezo muito a limpidez, e preciso
da madeira para amenizar a rusticidade excessiva de alguns dos meus vinhos.”
In
Vino Viajas - É possivel comparar os vinhos naturais brasileiros e franceses?
Marco Danielle
– “Nem sempre os vinhos franceses são melhores do que os brasileiros, nem em
todas as safras, nem em todas as castas. O Fulvia Pinot Noir tem uma história
imensa de comparação às cegas com grandes borgonhas - tudo isso vastamente
documentado pela imprensa. Nosso Franc 2010 fez enorme sucesso, foi parar na carta
do Pearl&Ash de NYC, Philippe Pacalet o comparou a um bom Bourgueil, mas a
safra 2015, apresentada em, Paris, não foi uma “boa” safra em termos de
concentração, o vinho não tem a estrutura dos anteriores, e por isso mesmo é
meu preferido, lembra um pinot noir ou um sangiovese leve, em termos de
estrutura. É complexo, é sensual, beira o sulfito zero, mas é diferente de um
Franc AOC estruturado francês, e isso os franceses às vezes têm dificuldade em
entender. A matriz de casta x AOC é muito inculcada no espírito francês, não
dão muita margem à originalidade quando o assunto é casta. Os fãs dos vinhos
naturais são mais permissivos nesse sentido, mas nem todos os visitantes da
feira eram naturebas radicais, então senti algum estranhamento sobre nosso Franc
2015. Adoro esse vinho, mas ele quebra um pouco o compromisso com as
expectativas da casta.”
(Abaixo foto do
evento na França).
In
Vino Viajas - Quais os benefícios potenciais dos produtores participantes?
Philippe Herbert – "Dentre os brasileiros
aprender, encurtar o caminho do aprendizado e aproveitar a evidência de estar
ao lado de produtores renomados. Dos franceses pela divulgação, festa e
reverência a Pierre Overnoy que participou das duas edições."
Marco Danielle – “Expor é uma maneira de fazer-se conhecer, e expor ao lado de
produtores de projeção internacional é uma referência a mais.”
In Vino Viajas - Os participantes pensam em realizar algum tipo de
operação conjunta, seja técnica, de mercado ou institucional?
Philippe Herbert – “Pelo momento não que seja do
meu conhecimento, além das visitas já realizadas pelos produtores brasileiros
aos franceses nesses dois anos. O diálogo está agora estabelecido, os
produtores brasileiros pode fazer qualquer pergunta para os produtores
franceses.”
Marco Danielle – “No caso dos brasileiros passamos um ano entre reuniões com conselheiros cooperativistas, fiscais e contábeis, atas e redação de Contrato Social para a formação de uma Cooperativa, mas infelizmente o país não parece ter interesse na existência de pequenas vinícolas, ou de produtores e vinhos artesanais, e a Cooperativa mostrou-se inviável. Cada um deverá batalhar por conta própria, e fora o Encontro e as Feiras, não existe nenhuma ação conjunta. Os franceses estão abertos a compartilhar suas experiências (que não são pequenas) conosco, e isso é muito importante para uma vinicultura jovem como a nossa.” (Abaixo foto do evento na França).
In Vino Viajas – Marco Danielle,
na sua opinião o que já temos de bom e de maduro, e o que ainda temos que
melhorar em nossos vinhos naturais?
Marco Danielle – "Só posso responder pelos meus vinhos, do Atelier Tormentas, e nosso estilo é muito pontual, muito específico, com inspiração na Borgonha para os pinots, e no Vale do Loire para o resto dos vinhos. Não conheço suficientemente bem os vinhos dos colegas brasileiros, mas acho que o pouco que provei está mais em sintonia com o movimento radical moderno francês que os nossos. Temos um estilo mais antigo, mais clássico, na verdade é o estilo que eu adoro até hoje. Talvez um dia mude, mas não é algo que eu faça visando determinado nicho de apreciadores. É meu gosto pessoal, que acaba indo de encontro ao gosto de um certo segmento de publico. A Vanessa é enóloga e pretende trilhar um caminho próprio, ela gosta de coisas mais loucas, mais livres. Dou a maior força para que elabore seus próprios vinhos aqui no Atelier, vinhos que levem sua assinatura, e que sejam feitos dentro dos mesmos preceitos de pureza e honestidade.”
Marco Danielle – "Só posso responder pelos meus vinhos, do Atelier Tormentas, e nosso estilo é muito pontual, muito específico, com inspiração na Borgonha para os pinots, e no Vale do Loire para o resto dos vinhos. Não conheço suficientemente bem os vinhos dos colegas brasileiros, mas acho que o pouco que provei está mais em sintonia com o movimento radical moderno francês que os nossos. Temos um estilo mais antigo, mais clássico, na verdade é o estilo que eu adoro até hoje. Talvez um dia mude, mas não é algo que eu faça visando determinado nicho de apreciadores. É meu gosto pessoal, que acaba indo de encontro ao gosto de um certo segmento de publico. A Vanessa é enóloga e pretende trilhar um caminho próprio, ela gosta de coisas mais loucas, mais livres. Dou a maior força para que elabore seus próprios vinhos aqui no Atelier, vinhos que levem sua assinatura, e que sejam feitos dentro dos mesmos preceitos de pureza e honestidade.”
In
Vino Viajas - Quando e onde será realizado o Terceiro Encontro?
Marco Danielle
– “Sugeri
Gramado, e já tenho o parecer entusiasmado e positivo de meu grande amigo
Umberto Beltramea, gerente geral do Hotel Saint Andrews, interessado em
acolher o evento. O St Andrews é um dos dois hoteis brasileiros 6 estrelas
detentores da chancela Relais & Châteaux, e dispões de recursos financeiros
suficientes para patrocinar o desafio. Apresentei a idéia ao grupo, mas até agora não obtive qualquer resposta. Como vinho brasileiro é sinônimo de Serra
Gaúcha, e Gramado é símbolo de qualidade de vida, acreditei ser a idéia
pertinente.“
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