Neste post
publico a segunda parte da entrevista com Paolo Saturnini, ex-presidente
nacional da Associazzione Cittá Del Vino; ex-prefeito de Greve in Chianti entre
1995 e 2004; autor de dois livros de culinária envolvendo vinhos e do livro
“L’armonia Del Chianti – riflessioni su una terra in bilico” sobre seu
território e as memórias do nascimento do Movimento Cittaslow.
Proposto e
implantado por Saturnini em Greve in Chianti em 1999, o Movimento Cittaslow - a
mais revolucionária proposta de desenvolvimento urbano sustentável da
atualidade - já está sendo aplicada em cerca de 150 cidades de 25 países.
Saturnini me recebeu em Florença, na Itália, em fins de abril, e me concedeu
esta entrevista exclusiva sobre a gênese e o desenvolvimento do Movimento
Cittaslow que teve sua primeira parte publicada no blog “Cittaslow: a revolução
urbana inspirada no vinho” e continua aqui.
Congresso internacional do Movimento Cittaslow na Coréia do sul, em 2010
Ruschel:
Ser uma Cittaslow é viável só para cidades
pequenas?
Paolo:
É
mais adequado para cidades pequenas, para evitar que cometam os mesmos erros das cidades que cresceram sem
controle. Cidades pequenas devem preservar; cidades grandes precisam revolucionar
– e não sabem como. Cidades grandes têm mais de uma alma: de culinária, de
transporte, de energia, etc e porisso têm que fazer mudanças por bairros, por
setores. Quem mora em cidades grandes, pode perder a noção de território, de
pertinência e de tempo. Atualmente os estatutos da Cittaslow só aceitam cidades
associadas com até 50.000 habitantes. Talvez este limite seja revisado na medida
em que o movimento se amplie. (Nota do repórter: para se tornar uma Cittaslow,
a cidade candidata tem que pagar 600 Euros de taxa de inscrição,
receber a visita de auditores e promover uma reunião da qual participem pelo
menos 3 municípios associados da rede. Feito isso, deve aceitar os termos dos
Estatutos da associação e se comprometer com políticas públicas que ajudem a
criar um ambiente propício para atingir os objetivos).
Paolo Saturnini como ele gosta: rodeado de vinhos
Ruschel:
Como funciona o projeto
Cittaslow?
Paolo:
Este é um projeto "em andamento" no sentido de que ele cresce por etapas, quer através do aumento do número de cidades participantes, quer pela aplicação e realização dos objetivos de Cittaslow nas cidades. Quando você se torna uma Cittaslow você tem certos requisitos; com o tempo não só esses requisitos devem ser mantidos - e na medida do possível melhorados - mas também deve lutar para viabilizar outros requisitos que ainda não tinha no momento de reconhecimento.
Este é um projeto "em andamento" no sentido de que ele cresce por etapas, quer através do aumento do número de cidades participantes, quer pela aplicação e realização dos objetivos de Cittaslow nas cidades. Quando você se torna uma Cittaslow você tem certos requisitos; com o tempo não só esses requisitos devem ser mantidos - e na medida do possível melhorados - mas também deve lutar para viabilizar outros requisitos que ainda não tinha no momento de reconhecimento.
Ruschel:
Como foi implantado em Greve in Chianti,
quais as dificuldades?
Paolo:
Primeiro explicamos os objetivos e debatemos publicamente sobre o que
poderia surgir de positivo ou negativo. Criado um ambiente receptivo, começamos
a discutir legislações relacionadas a assuntos de interesse coletivo como meio
ambiente, energia limpa e mobilidade. Geve in Chianti tinha uma comunidade de
imigrantes árabes, que têm outra cultura, e mesmo assim deu certo, porque não
existiam diferenças econômicas gritantes. Seguimos nosso ditado “chi va piano
va sano e va lontano” (em tradução livre, devagar se vai ao longe).
Ruschel:
O movimento está em 25
países, inclusive em vários com culturas diferentes da européia como China,
Estados Unidos, Nova Zelândia, Coréia do Sul e África do Sul. Como é feita a
mobilização para a candidatura, quem entra com o pedido, como se comportam os
políticos?
Paolo:
Pode ser proposto por
políticos, mas na maioria das vezes é um movimento que nasce na base, nas ruas,
liderado ou proposto por intelectuais da comunidade. Foi o caso da Coréia do
Sul, da qual fui o padrinho. Acho que a internet atualmente permite esta
mobilização em escala mais rápida. Mas a proposta só pode vingar se tiver o
apoio do poder público, e isto pode dificultar. Alguns políticos percebem a
oportunidade de visibilidade, e dependendo da mobilização, o prefeito e os
vereadores acabam aderindo ao protagonismo comunitário, mesmo que não tenham
muito desejo lá no íntimo. E tem outra questão: a dos partidos políticos, que é
muito sério aqui na Itália. Geralmente os prefeitos não querem continuar ideias
do antecessor, então as propostas mais bem sucedidas são as que conseguem
suplantar isto. No meu caso em Greve in Chianti,
quando como prefeito eu comecei a falar
sobre Cittaslow, encontrei
uma adesão significativa de todos os partidos políticos,
inclusive da oposição, e isso facilitou a tarefa. Outro segredo do sucesso é
que é preciso reconhecer o papel e importância das forças econômicas e sociais, e suas demandas precisam ser contempladas. No
Brasil ainda não temos nenhuma Cidade Lenta; você não quer levar o movimento
para lá? (Nota do repórter: as cidades de Tiradentes, Minas Gerais; Carlos Barbosa, no Rio Grande do Sul e Santa Teresa, no Espírito Santo estnao em diferentes fases no
processo de associação).
A cidade de Biskupiec, na Polônia, é uma das 180 que integram a rede Cittaslow em 25 países
Ruschel:
Existem outras iniciativas
similares?
Paolo:
Sim, existem outras iniciativas. A
maioria dos municípios participantes do Cittaslow também faz parte de outras associações como, por exemplo, associações de "identidade da cidade" (cidade do vinho da cidade, pão,
cidade Querida, cidades
floridas, etc.) que realizam políticas
e objetivos similares aos da Cittaslow. Muitas cidades também
acompanham regularmente as atividades
do Slow Food, ou Legambiente
ou Symbola, organizações que têm uma origem comum com Cittaslow na defesa do
meio ambiente, e na qualidade dos produtos locais. (Nota do repórter: No Brasil outros movimentos similares são
Cidades Sustentáveis e Transition Towns - de âmbito nacional - e movimentos do
tipo Nossa CidadeTal, Observatório da CidadeTal).
O berço da Cittaslow
Greve in
Chianti é uma pequena comunidade de menos de 15.000 habitantes a 30 quilometros
de Florença, no coração da Toscana. Provavelmente existe antes dos etruscos e
dos romanos dominarem a área; os registros mais antigos são do século XI. A economia local está baseada na
exportação de óleo de oliva extra virgem e vinhos chiantis e super-toscanos e
importação de turistas. A cidade abriga atrações como a Igreja Santa Croce
(século XI), uma casa que foi de Américo Vespúcio, um mosteiro Franciscano do
século XIV e o castelo de Verrazzano construído pelos Lombardos no século XIII,
entre outras obras. Atraídos pela beleza e charme da região e por festivais de
vinho, festa das flores, feiras de antiguidades e uma feira semanal de produtos
típicos na Piazza Matteotti, a principal da cidade, os turistas que visitam
Greve in Chianti podem se deliciar com uma gastronomia de alta qualidade que
inclui trufas, porcos Cinta Senese e veados selvagens - todos de produção
local.
Greve in Chianti durante a Festa dei Fiori, em 2010
Por todas estas razões, ter uma propriedade na região se tornou o objeto do desejo de bem resolvidos e ricos do mundo inteiro que compram propriedades idílicas como as famosas vilas toscanas, pequenos castelos e propriedades rurais centenárias com áreas de produção de azeite e vinho. Compram e não podem modificar um único tijolo. Em 2010 a revista norte-americana Forbes a nomeou a primeira da lista de "Europe's Most Idyllic Places To Live."
Mas Greve
in Chianti prospera de um jeito diferente, controlado. Nos anos 80 a cidade já
começava a ter problemas de perda de identidade por causa do volume de
turistas. Como enfrentar o desafio de atender turistas em maior volume do que
podia sem se descaracterizar? A solução convencional no turismo nestes casos é
buscar a qualidade, mas a comunidade já oferecia isto. Foi quando o então
prefeito Paolo Saturnini propôs uma idéia simples: a associação do conceito de
“slow food” para a cidade inteira, um conceito que se materializou no Movimento
Cittaslow.
Slow Food: a inspiração
O Movimento Slow Food foi criado em
1986 pelo italiano Carlo Petrini e se transformou em uma organização
internacional atualmente com 100.000 sócios de 150 países que promove a
eco-gastronomia, a educação alimentar, alimentos sustentáveis e a agricultura de
base local. O princípio é simples: a forma como nos
alimentamos tem profunda influência no que nos rodeia - na paisagem, na
biodiversidade da terra e nas suas tradições.
O Movimento Cittaslow herdou não só os
princípios, mas também o logotipo Movimento Slow Food, colocando casinhas nas
costas do caracol.
Com sede na cidade de Bra, na Itália, o Slow Food opera tanto
localmente (em parcerias como com a Terra Madre, encontro internacional de
comunidades do alimento que trabalham pela sustentabilidade de seus produtos
alimentares, e com a Fundação Slow Food para a Biodiversidade, braço científico
do movimento), como globalmente, em parceria com instituições como a FAO -
Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação.
No Brasil o movimento mantém 8 Fortalezas (projetos que defendem produtos
ou modos produtivos agrícolas específicos de um local), inseriu 24 produtos
brasileiros na Arca do Gosto (catálogo mundial de sabores quase esquecidos de
produtos ameaçados de extinção) e desde 2004 tem um convênio com o o Ministério
do Desenvolvimento Agrário para desenvolvimento de projetos. Veja mais em http://www.slowfoodbrasil.com
Por enquanto é isso, caro leitor: um brinde à qualidade de vida.
(*) Rogério
Ruschel - rogerio@ruscheleassociados.com.br - é jornalista especializado e editor
da revista eletrônica “Business do Bem – Economia, Negócios e
Sustentabilidade”. Ruschel viajou à Itália a convite dele mesmo.
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