terça-feira, 5 de maio de 2020

Por que o maior varejista da América Latina anuncia um pequeno vidrinho de pimenta produzida por índias Baniwa da Amazônia?

Por Rogerio Ruschel
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Prezado amigo ou amiga, a rede de supermercados Pão de Açúcar tem milhares de produtos à venda. Mais de 99,99999% são produtos que estão à venda também em concorrrentes, porque são produtos globais, marcas internacionais feitos para ampla oferta. Mas então por que o Supermercado Pão de Açucar também oferece – e faz propaganda na TV – de produtos pequenos, locais, com volume de produção limitadíssimo, como este da foto de abertura, de Carol Quintanilha/ISA, onde Selma da Silva Lopes, da tribo Baniwa, mostra um vidrinho de pimenta Jiquitaia produzida pelas muheres de sua tribo? Porque estes produtos que valorizam sua origem e a cultura de quem os produziu têm um respeitável perfil de sustentabilidade socioambiental, de comércio justo e tem uma característica importantíssima chamado Identidade Territorial.
Este e outros produtos à venda no Pão de Açúcar são frutas, sementes, chás e castanhas da floresta tropical; molhos “estranhos” como o de tucupi preto; farinhas, queijos regionais, geléias, pães e outros – todos produzidos por famílias ou grupos comunitários e estão à venda em apenas 7 das 185 lojas do Pão de Açúcar na cidade de São Paulo; até o final de julho/2020, serão 12.

Tata-se do programa “Caras do Brasil”, realizado há mais de 20 anos pelo Pão de Açúcar, que tem como objetivo “potencializar sabores e saberes brasileiros por meio de produtos típicos de cada região, produzidos por pequenos produtores sustentáveis”. Identidade, rastreabilidade, origem. Mas amiga ou amigo, me diga: qual a importância do maior varejista da America Latina investir na comercialização de produtos pequenos e desconhecidos, que representam menos de 0,00000001% da oferta? Me parece que são três razões: 1) eles expressam a política de sustentabilidade empresarial da empresa; 2) estes produtos tem crescido em vendas a uma média mensal de 20% ao mês e 3) ajudam a construir uma imagem positiva para a empresa, razão pela qual, Segundo a assessorial de imprensa encaminhou informação, “a marca tem realizado comunicações sensibilizadoras sobre o tema e os produtos para incentivar o consumo dos mesmos por nossos clientes”.
Produtos com identidade territorial estão crescendo 20% por mes no Pão de Açúcar
Desde a sua criação, já passaram pelo programa produtos de mais de 100 pequenos negócios. O Mel do Xingu, presente no portfólio desde o início, é um dos mais antigos. Não conheço, mas deve ser mel de abelhas sem ferrão. A pimenta Jiquitaia, produzida por cerca de 80 mulheres da tribo Baniwa, da Terra Indígena Alto Rio Negro, no Amazonas, é um dos mais novos. Confesso que ainda não provei, mas espero conhecer. Esta pimenta, uma mistura de vários tipos de pimentas desidratadas com muitas cores e aromas, sabor levemente defumado e alta picância, tem valor cultural muito relevante para a nação indígena e foi tema de um comercial de televisão do Pão de Açúcar para homenagear o Dia Internacional das Mulheres de 2020.
Atualmente são 28 produtos de 12 produtores no portfólio, mas vão ser lançados tomate seco e molho de tomate da região sul, crispy de tapioca da região nordeste e pasta de amendoim com baru da região centro-oeste até o fim de julho. Você conhece baru? Pois vai conhecer: o baru é uma castanha do cerrado brasileiro muito rica em vitaminas E e ótima para quem tem colesterol. O baru não existe na Europa. A tapioca (ou beiju) também não tem na Europa, porque é de origem indígena tupi-guarani. Ou seja: são produtos de agricultura familiar, ainda considerados “caipiras” pela elite das grandes cidades, com grande contribuição nutgricional, para a saúde e para a economia de certos “cantões do mundo rural”. Eu suspeito que eles ainda só não estão na Europa (ainda) porque ninguém havia investido neles. Agora eles poderão ter a oportunidade de se apresentar para consumidores acostumados a comprar produtos importados. E não custa lembrar que o GPA é uma empresa francesa, e os franceses prestigiam seus agroprodutos de produção familiar que são parte genuína da cultura de sua cultura.

“Caras do Brasil” investe em produtos com identidade territorial

Estes produtos de terroir (como dizem os franceses) têm uma forte identidade cultural e territorial que será reforçada e protegida quando tiverem uma Identidade Geográfica - IG registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI. E vão ter que ter, cedo ou tarde, porque o Acordo Mercosul & União Europeia vai pressionar para que isso aconteça. IG é uma marca coletiva registrada que identifica, protege e valoriza produtos de um determinado território como Champanhe, Gruyére, Canastra, Bordeaux, Café do Cerrado Mineiro e outros que você conhece – e que só podem ser produzidos nestas regiões. Em sua esmagadora maioria são produzidos por famílias ou grupos comunitários no contexto da Agricultura Familiar. 

Como para muitos brasileiros a Agricultura Familiar é invisível ou desconhecida, lembro que no Brasil temos mais de 4 milhões de propriedades de agricultura familiar, com 22 milhões de pessoas dependendo dela. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA, estas famílias produzem cerca de R$ 300 bilhões, 33% do PIB agropecuário, todos os anos. O destaque são os alimentos como 70% do feijão, 34% do arroz, 87% da mandioca, 46% do milho, 38% do café, 21% do trigo, 60% da produção de leite, 59% do rebanho suíno, 50% das aves e 30% dos bovinos. E atenção, meu caro leitor ou leitora, não estou falando do “grande” agribusiness, a atividade de exportar matérias-primas primárias como commodities, sem nenhum valor agregado, como soja, cacau, café, laranja, algodão, etc.
Então volto à pergunta: por que o Grupo Pão de Açucar, uma empresa francesa de grande porte está investindo em produtos locais e valores culturais comunitários brasileiros como se fosse uma pequena empresa da sua cidade?  Porque estariam “perdendo tempo” com produtores de pequeno porte? Porque vale a pena: o “Caras do Brasil” significa a oferta de produtos com um diferencial competitivo que nunca será alcançado pela concorrência, que é sua identidade única e exclusiva. Isso significa liderança. 

O Pão de Açúcar reconhece a importância destes valores. Segundo a empresa, “A cultura regional brasileira é riquíssima e está presente – além da gastronomia, das nossas músicas, artesanatos e atividades do dia a dia – também nos alimentos e sabores brasileiros. Cada região brasileira – com sua geografia distinta e características ambientais diversas – compõe um panorama diverso e com potencial incrível de descobertas de sabores, histórias e saberes. Em cada região brasileira, buscamos produtos que representem essa riqueza.” 

O Pão de Açucar compra os produtos para vender e ter lucro, é óbvio, mas na negociação pode incluir algum “incentivo socioeconômico para pequenos(as) produtores(as) sustentáveis de produtos que promovem a cultura local e geram valor para a comunidade.” Estes produtos que “promovem a cultura local e geram valor para a comunidade” são especialmente artigos de artesanato local e agroalimentos como frutas, geléias, queijos, doces, bebidas, farinhas e outros. Produtos que costumo chamar de Tesouros do Fundo do Quintal, porque estão próximos das pessoas mas muitos não os enxergam por miopia de marketing, falta de atenção ou preguiça mesmo - mas que lideranças empresariais como o Pão de Açucar estão vendo. Já produzi mais de 15 pequenos vídeos sobre isso, interessantes e divertidos, veja aqui: https://www.youtube.com/channel/UCc4c2FU6Z88_XU_2I2lFbmA   
Outras empresas que estão à frente valorizando a origem e a identidade de produtos são os cortes de frango Sadia Bio, da Série Origens, que oferecem rastreabilidade ao consumidor e os cafés de terroir Rituais Cafés Especiais, uma série premium da Três Corações, maior exportador brasileiro. Ambas são especialistas em agroalimentos commodities de exportação, mas estão criando estes produtos para agregar valor com a identidade territorial.
Espero em breve entrevistar algum profissional de marketing do PÃODE AÇUCAR sobre esta iniciativa do “Caras do Brasil” para poder informar quais os benefícios proporcionados para as mulheres Baniwa, e quais as dificuldades de fazer isso – que não deve ser poucas. A assessoria informou também que atualmente o Pão de Açucar tem uma página no blog da marca dedicado ao Programa, mas uma reformulação do site está em pauta para breve, com o detalhamento de ainda mais informações sobre os produtos, produtores e outros assuntos e temas relacionadas. Espero que sim. As fotos são do  Pão de Açúcar ou do Instituto Socioambiental – ISA.

Caso queira saber mais sobre o tema sugiro que leia meu livro “O valor global do produto local – A identidade territorial como estratégia de marketing”, publicado pela Editora Senac em abril/2019, o primeiro do Brasil sobre o tema. Veja em

Para saber mais sobre a importância de produtos com identidade territorial, acesse:


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