quinta-feira, 23 de abril de 2020

Alimentos e bebidas com indicação geográfica valem € 75 bilhões para a agricultura familiar europeia, o valor de toda a agricultura brasileira.


Por Ana Soeiro, Managing Directora da QUALIFICA/ oriGIn PORTUGAL e Vice-Presidente do oriGIn para a Europa; Edição e comentários, Rogerio Ruschel 

Meu prezado leitor ou leitora, a Comissão Europeia divulgou dia 20 de abril de 2020, em Bruxelas, um relatório sobre o valor das Indicações Geográficas – IG para os países do bloco. Você sabe: IGs são registros de territórios que agregam valor aos produtos daquele território, porque criam diferenciais exclusivos e elevam os preços; por exemplo, Roquefort para queijos, Borgonha para vinhos. Os números são impressionantes: R$ 391 bilhões de Reais. Espero que este artigo ajude a incentivar ainda mais nossos podutores rurais e industriais a investirem em produtos com identificação de origem no Brasil que ainda são muito poucos, e nada se sabe sobre eles. Ana Soeiro, Vice-presidente da OriGin para a Europa, fez a tradução para o Português, veja a seguir.
“Os produtos agro-alimentares e as bebidas cujos nomes estão protegidos pela União Europeia como “Indicações Geográficas” (IG) representam um valor de vendas de 74,76 bilhões de euros, de acordo com um estudo publicado hoje (20/04/2020) pela Comissão Europeia. Mais de um quinto desse valor resulta de exportações para fora da União Europeia. O estudo constatou que o valor de venda de um produto com um nome protegido é, em média, o dobro do valor de produtos similares sem a qualificação. (Na imagem de abertura você vê os valores de categorias de produtos).
Janusz Wojciechowski, Comissário para a Agricultura da União Europeia: “As indicações geográficas protegem o valor local a nível global”.
O Comissário para a Agricultura, Janusz Wojciechowski, disse: “As indicações geográficas europeias reflectem a riqueza e a diversidade de produtos que o nosso sector agrícola tem para oferecer. Os benefícios para os produtores são claros. Eles podem vender produtos de maior valor para consumidores que procuram produtos regionais autênticos. As IGs são um aspecto essencial dos nossos acordos comerciais. Ao proteger produtos em todo o mundo, impedimos o uso fraudulento de nomes de produtos, preservamos a boa reputação dos produtos agro-alimentares e das bebidas europeus. As indicações geográficas protegem o valor local a nível global”.
Os alimentos europeus são famosos por serem seguros, nutritivos e de alta qualidade. Os métodos tradicionais de produção contribuem para o objectivo da UE de se tornar também o padrão global de sustentabilidade na produção de alimentos.
Os sistemas de qualidade da UE visam proteger os nomes de produtos específicos para promover as suas características únicas, vinculadas à sua origem geográfica e ao saber fazer incorporado na região. Esses nomes de produtos fazem parte do sistema da UE de direitos de propriedade intelectual, protegendo-os legalmente contra imitações e uso indevido. Os nomes dos produtos agro-alimentares e dos vinhos são protegidos como Denominação de Origem Protegida (DOP) ou como Indicação Geográfica Protegida (IGP) e os das bebidas espirituosas como Indicações Geográficas (IG). A União Europeia também protege as Especialidades Tradicionais Garantidas (ETG), destacando os aspectos tradicionais de um produto sem estar vinculado a uma área geográfica específica. O valor de venda das ETG dos e produtos agrícolas e dos géneros alimentícios atinge 2,3 biliões de Euros.
O estudo baseou-se em todos os 3.207 nomes de produtos protegidos nos 28 Estados-Membros da UE no final de 2017 (até ao final de Março de 2020, o número total de nomes protegidos aumentou para 3.322). Conclui-se que o valor de venda de um produto com um nome protegido é, em média, o dobro do valor de produtos similares sem qualquer qualificação.
Segundo o estudo, há um claro benefício económico para os produtores em termos de marketing e de aumento de vendas, graças à alta qualidade e reputação desses produtos e à disposição dos consumidores em pagar para obter o produto autêntico.
As principais conclusões do estudo são:
- Valor de vendas significativo : as indicações geográficas e as especialidades tradicionais garantidas, em conjunto, representaram um valor estimado de vendas de 77,15 bilhões de euros em 2017 correspondendo a 7% do valor total de vendas do sector europeu de alimentos e bebidas estimado em 1.101 bilhões de euros em 2017. Os vinhos representaram mais da metade desse valor (39,4 bilhões de euros), os produtos agrícolas e os géneros alimentícios 35% (27,34 bilhões de euros) e as bebidas espirituosas 13% (10,35 biliões de euros). Dos 3.207 nomes de produtos que estavam registados em 2017 (entre IGs e ETGs), 49% eram vinhos, 43% produtos agro-alimentares e 8% bebidas espirituosas.
- Valor de vendas mais alto para produtos com nomes protegidos: o valor de venda dos produtos cobertos pelo estudo foi, em média, o dobro do valor de venda de produtos similares sem qualificação. A taxa de valor acrescentado foi de 2,85 para vinhos, 2,52 para bebidas espirituosas e 1,5 para produtos agrícolas e géneros alimentícios.
- Uma verdadeira política europeia: cada país da UE produz produtos cujos nomes são protegidos a nível da UE e que servem como porta-estandartes para o património culinário tradicional das regiões e como motores económicos para o sector agro-alimentar nacional.
- Exportações de produtos com indicações geográficas: as indicações geográficas representam 15,5% do total das exportações agro-alimentares da UE. Os vinhos continuaram a ser o produto mais importante em termos de valor total de vendas (51%) e do comércio extra-UE (50%). Os EUA, a China e Singapura são os primeiros destinos para produtos com IG da UE, representando metade do valor de exportação de produtos com IG.
- Para garantir que a política de qualidade da UE continua cumprindo da melhor forma possível, foi lançada uma consulta pública on-line, entre 4 de Novembro de 2019 e 3 de Fevereiro de 2020 para obter feedback das partes interessadas sobre a política de Propriedade Intelectual. Entre as principais conclusões, a maioria dos entrevistados concordou que os sistemas de qualidade da UE beneficiam produtores e consumidores. O relatório "resumo factual" fornece uma visão detalhada dos comentários recebidos da consulta pública.
Cenário de fundo
As Denominações de Origem Protegidas (DOP), as Indicações Geográficas Protegidas (IGP) e as Indicações Geográficas (IG) para bebidas espirituosas garantem aos consumidores que os produtos em questão são genuinamente produzidos na sua região de origem específica, usando o saber-fazer e as técnicas incorporadas na região. A principal diferença entre a DOP e a IGP está relacionada com as quantidades de matéria-prima proveniente da área ou quais as fases do processo de produção que devem ocorrer na região específica. As indicações geográficas famosas incluem, por exemplo, Bayerisches Bier, Champanhe, Irish, Whiskey, Azeitonas Kalamata, Parmigiano Reggiano, Vodka Polaco, Queso Manchego, Roquefort.
A especialidade tradicional garantida (ETG), por outro lado, destaca os aspectos tradicionais, como o método de produção tradicional ou a composição tradicional, sem estar vinculado a uma área geográfica específica. Exemplos de ETG famosas são o Bacalhau de cura tradicional portuguesa, Amatriciana tradizionale, Hollandse maatjesharing e Kriek.
A UE concluiu mais de 30 acordos internacionais que permitem o reconhecimento de muitas indicações geográficas da UE fora da UE e o reconhecimento de indicações geográficas de fora da UE na UE. As indicações geográficas desempenham um papel cada vez mais importante nas negociações comerciais entre a UE e outros países. A Comissão também dedica cerca de 50 milhões de euros por ano para promover produtos de qualidade na UE e no mundo. 
Para saber mais fale comigo rruschel@uol.com.br.
Veja a entrevista que Ana Soeiro concedeu ao In Vino Viajas em novembro de 2019: http://www.invinoviajas.com/2019/11/o-brasil-tera-que/
Conheça Tesouros no Fundo do Quintal, o primeiro web-canal sobre IGs http://www.invinoviajas.com/2019/12/chegou-tesouros-no-fundo-do-quintal/

Conheça o idioma Talian, a herança mais definitiva da imigracão italiana no Brasil


Prezado amigo ou amiga.
Este vídeo vai surpreender você. 
Você vai conhecer o Talian, um idioma único no mundo, patrimônio brasileiro e universal, a língua secreta dos imigrantes italianos no Brasil!







segunda-feira, 13 de abril de 2020

A evolução do Chianti: da tradição do século XII ao prestígio internacional no século XXI

Por Decanter, editado e comentado por Rogerio Ruschel
Meu caro amigo ou amiga, durante a Idade Média, Florença foi a mais poderosa das cidades italianas e epicentro da produção comercial de vinhos – e também das artes e da cultura, como sabemos. No século 14, a República Florentina identificou as colinas entre Florença e Siena como Chianti. Chianti foi a primeira área vinícola delimitada, quando em 1716 o Grão-Duque Cosimo III de Médici criou o que se acredita ser a primeira legislação que rege a produção de vinho no mundo.
Na década de 1870, a Barone Ricasoli (da família que produz Chianti desde  1141, quando adquiriu o lendário Castello di Brolio, onde atualmente produz Chianti Clássico) reduziu a fórmula de Chianti ao blend de três variedades da Toscana: Sangiovese por seus aromas; Canaiolo por seus frutos para equilibrar a acidez do Sangiovese e Malvasía para dar frescura. No século 20, uma série de eventos infelizes ocorreu em Chianti. Primeiro, em 1932, a zona original (agora conhecida como zona clássica) se expandiu para incluir grandes partes do centro da Toscana; então, em 1967, a fórmula de Ricasoli se tornou uma doutrina anárquica que permitiu misturar até 30% das variedades brancas. Veja no mapa acima. 


Finalmente, o êxodo em massa iniciado na década de 1950 do interior da Toscana levou ao governo italiano e ao financiamento do replantio em larga escala das vinhas da Toscana, com foco na produção em massa em detrimento da qualidade do vinho da Toscana.
Por causa destas mudanças, o Chianti não é o vinho que costumava ser. Passou por mudanças mais profundas nos últimos 30 anos do que qualquer outro vinho da Itália, e agora o Chianti Clássico é uma zona de vinho tinto de classe mundial. Em 1984, Chianti e Chianti Clasico foram atualizadas como denominações de origem DOCG, ajustando a fórmula com um mínimo de apenas 2% das variedades brancas e permitindo variedades estrangeiras como Cabernet Sauvignon e Merlot.
Em 1996, ocorreu outra mudança importante: um decreto eliminou o uso de uvas brancas e reduziu o uso de variedades estrangeiras em até 15%. Os rendimentos foram restritos e novas tecnologias foram implementadas nas adegas, como temperatura controlada em aço inoxidável e envelhecimento em barris menores, em vez dos grandes recipientes denominados botti. A área de Chianti Clássico foi restrita aos 7000 hectares originais, com rendimentos mais baixos e um mínimo de 80% de Sangiovese na composição dos vinhos. (Nota do editor: A tradição de Chianti diz que os vinhos locais são envelhecidos em botti, grandes recipientes de madeira. Os Chianti Clássico Riserva devem passar por pelo menos 24 meses de envelhecimento, sendo apenas três em garrafa. Já a recente classificação Chianti Clássico Gran Selezione prevê período de envelhecimento de 30 meses, com também três meses em garrafa.)


Com a chegada do novo século, a região de Chianti foi confrontada com uma maior concorrência de vizinhos poderosos, entre os quais o Brunello di Montalcino se destacou, e mais uma vez se levantou e começou a tomar uma série de medidas importantes para modificar e exaltar ainda mais sua categoria máxima de Chianti Clássico. O objetivo por trás desse movimento era remodelar a pirâmide de qualidade da denominação e dar a seus vinhos de primeira classe uma maior identidade territorial. (Nota do editor: Nos últimos anos, como registramos acima, tem havido um esforço para recolocar a região de Chianti Clássico no lugar de onde nunca deveria ter saído e a criação da categoria Gran Selezione faz parte dessa intenção; atualmente os melhores exemplares da zona tem qualidade equivalente aos vizinhos e rivais Brunello.)
Como consequência, uma nova categoria dentro do Chianti Clássico além da Chainti Clássico Riserva foi decretada em 2014, naquele ano nasceu o Chianti Clássico Gran Selezione, que foi desenvolvido para fazer referência a vinhos de qualidade superior. A nova designação exige que os melhores vinhos da região sejam feitos com uvas inteiramente de seus próprios vinhedos e entrem no mercado com pelo menos 30 meses de maturação em barricas de carvalho.
Hoje, o Chianti não é mais o vinho simples e desestruturado do passado.
Conheça a história do galo símbolo do Chianti: http://www.invinoviajas.com/2014/08/o-galo-negro-do-chianti-Clássico-agora/





sábado, 4 de abril de 2020

Aurora 2015, uma raridade na mesa: um Cabernet Franc muito distinto, com alma francesa e passaporte libanês

Por Rogerio Ruschel

Meu prezado amigo ou amiga, semana passada ganhei um simpático presente do Marcelo Saraiva, um importador de vinhos que vem fazendo um trabalho valioso para os que gostam de exercer o livre arbítrio no mundo do vinho. Ele visita, prova e escolhe rótulos de adegas pequenas e dedicadas de países com tradição vinícola mas fora do convencional. 

Faz isso há 15 anos, mas abriu a importadora no ano passado. Deu a ela o nome Distintos Wines (não poderia ter outro nome, concordo!!!) e os vinhos são escolhidos na Áustria, Bulgária, Turquia, Grécia, Eslovênia e Romenia, entre outras fontes. Marcelo pediu minha opinião sobre dois tintos: um Cabernet Franc 2015 da Aurora, uma empresa familiar do Líbano, e um Plavac 2015 da Vina Caric, da Croácia. Pois provei o libanês no fim-de-semana – e estou com saudades até agora… 

O Cabernet Franc 2015 da Aurora é uma dupla raridade: pela origem (é um vinho da Vila Aoura, de altitude média nas montanhas Batroun, do Líbano) e por ser 100% Cabernet Franc, uma uva usada geralmente para fazer cortes em Bordeux (de onde teóricamente é originária) e em outros países, e muito importante na região do vale do Loire, onde foi introduzida no século XVII se transformando na principal uva tinta. 

O vinho que provei é produzido em escala reduzida (1.500 garrafas/ano), em terras de solo argiloso, com colheita difícil, feita à mão, na segunda semana de setembro nos 2,5 hectares rodeados por oliveiras e carvalhos, da familia Gearas (foto acima). Foi envelhecido por 12 meses de em barris de carvalho, dos quais 30% em barris novos, e tem recomendação para guarda de 5 anos. Custa R$ 298,39.


Nestes tempos de quarentena fui com muuuuuita calma. Decantei por 60 minutos beliscando queijinhos e depois degustei-o com carne vermelha feita na panela com alecrim, sal, alho, brócolis, alguma pimento bem light com complemento de cenoura e mandioquinha feitas no vapor. Trata-se de um vinho cor vermelho vivo, estruturado (e por isso suave e macio), encorpado na medida, com evidentes frutas vermelhas e uma memória de caramelo. Na ficha do importador consta final com menta, mas não senti tanta menta assim. Mas a permanência, o retrogosto, esse sim, foi um espetáculo: chamo isso de um vinho feliz que permanece quase um minuto alegrando a boca... Para terminar, a sobremesa foi pêra – uma pêra portuguesa doce, sumarenta, deliciosa.

Os vinhos do Líbano são pouco conhecidos até porque a produção é pequena (os muçulmanos, cerca de 60% da população, não bebem álcool) e nos últimos 50 anos o território esteve conflagrado políticamente. Mas esta região produz vinhos que são dispersados pelo mundo há séculos. A própria cidade de Batroun, que fica no litoral a cerca de 50 Kms da capital Libano, resistiu por séculos a invasões de gregos, romanos, muçulmanos, cruzados, otomanos e franceses – e vem recepcionando turistas com tantas atrações que foi incluído como um dos 10 lugares para se visitar em 2020 pela rede de TV CNN. 

Para quem não lembra, o Líbano é um pequeno país na Ásia Ocidental espremido entre o Mar Mediterrâneo, a Siria e Israel. Com um território de 10.452 km², foi o lar dos fenícios, povo semita conhecido por sua cultura maritima e imagem de excepcionais comerciantes, que entre os anos 2700 e 450 a.C levaram seus produtos para todos os cantos do mundo. Vinho certamente era um deles, para beber, vender, trocar. Pois agora você pode provar uma destas heranças libanesas selecionadas por um importador que preza o estilo de vida – e adora falar de vinhos e viagens - sem ter que atravessar metade do planeta e subir as montanhas salinizadas de Batroun. Bebo a isso.
 
Veja mais aqui: https://www.distintoswine.com.br/ - (11) 99550-5426