quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Conheça o Nesos, o mitológico vinho grego feito com uvas banhadas no mar Egeu, recriado após 2.500 anos


Fonte: TV Prato, Toscana; edição Rogerio Ruschel
Meu estimado leitor ou leitora, mais uma vez "In Vino Viajas" vai te contar uma novidade internacional em (quase) primeira mão. Experimentar um vinho cuja garrafa ficou na água do mar por alguns meses já foi uma novidade - mas isso agora é coisa antiga. A novidade é o renascimento do vinho Nesos, cujas uvas brancas da casta Ansonica, de Elba, são marinadas no mar Egeu por vários dias, antes da vinificação. Na mitologia grega, as Nesos eram as deusas das ilhas, filhas da mãe Gaia. A idéia de recriar o vinho, depois de 2.500 anos, seguindo os traços de um mito, nasceu pelas mãos de Antonio Arrighi, pequeno produtor da ilha de Elba, que por mais de dez anos vinificou um vinho local em ânforas de terracota Impruneta, em colaboração com Attilio Scienza, professor de viticultura da Universidade de Milão, que pesquisava sobre este mitológico vinho da ilha grega de Chios (ou Quio).
Pois 40 garrafas com safra de 2018 do Nesos, o vinho marinho, finalmente foram apresentados dia 13 de novembro de 2019 em Florença, durante uma conferência organizada em colaboração com a Região da Toscana, a Promoção do Turismo da Toscana, a Fondazione Sistema Toscana e a Vetrina Toscana.
 
A uva usada para recriar esse método específico de vinificação (que, na minha opinião vai virar Patrimônio Intangível da Humanidade em 10 anos) é a Ansonica, uma uva branca típica de Elba, provavelmente um cruzamento de duas uvas antigas do mar Egeu, Rhoditis e Sideritis, variedades com uma casca muito resistente e uma polpa crocante que permitia uma longa estadia no mar. As uvas do Nesos foram imersas no mar por 5 dias a uma profundidade de cerca de 10 metros, protegidas em cestas de vime – como na foto acima.Esse processo permitiu eliminar parte do florescimento superficial, acelerando a subsequente secagem ao sol nas prateleiras, sem atingir a produção de um vinho doce. O sal marinho durante os dias de imersão, por "osmose", penetra mesmo no interior, sem danificar a uva, que depois é fermentada em ânforas de terracota após a separação dos caules. A presença de sal nas uvas, com efeito antioxidante e desinfetante, evita o uso de sulfitos e é um vinho extremamente natural, muito semelhante ao produzido há 2.500 anos.


Os vinhos de Chios, uma pequena ilha no leste do mar Egeu, faziam parte de uma famosa elite de vinhos gregos considerados produtos de luxo no rico mercado de Marselha e, posteriormente de Roma. O escritor romano Marco Terenzio Varrone o chamou de "vinho dos ricos" no ano de 22 a.C. e, como foi registrado por Plínio, o Velho, César o ofereceu no banquete para celebrar seu terceiro consulado. Como os vinhos de Lesvos, Samos ou Thaso, os vinhos de Chios eram doces e alcoólicos, a única garantia para suportar o transporte marítimo, como os atuais vinhos Porto e Madeira. 
Mas tinham um segredo que os tornava particularmente aromático: a presença de sal resultante da prática de imergir as uvas em cestas no mar, com o objetivo de remover a flor da casca e acelerar a secagem ao sol, assim preservando o aroma da videira. A partir das análises realizadas pela Universidade de Pisa, constatou-se que o conteúdo fenólico total do vinho do mar é o dobro do produzido tradicionalmente, e isso se deve à maior extração ligada à redução parcial da resistência à casca.

A ligação entre este vinho mitológico e a ilha de Elba também é histórica. Como todos os comerciantes gregos, também os do vinho de Chios, faziam escala no caminho de volta à sua terra natal, à ilha de Elba e a Piombino, para carregar materiais ferrosos, entrando em contato com o mundo etrusco. Achados arqueológicos de ânforas em naufrágios, túmulos ou na construção de drenos, testemunham que muitas cidades costeiras da Toscana etrusca estavam entre os locais mais frequentados pelos comerciantes de Chios.

Pois é, caro leitor ou leitora: pesquisas científicas, descobertas arqueológicas, a teimosia de um produtor de vinhos, a paixão pelo cultivo e cultura da vinha em um território inigualável como o do Parque do Arquipélago da Toscana deram vida a um produto único que conta uma história milenar de dentro da garrafa: o mitológico vinho Nesos.

Um comentário:

  1. O processo não retira as leveduras naturais da casca? Com que leveduras se faz a fermentação?

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