quarta-feira, 15 de maio de 2019

Pesquisador da Amazônia questiona: o Açaí vai ser um produto de terroir ou uma commodity genérica da floresta?


Por Rogerio Ruschel
Estimado leitor ou leitora, em alguns momentos da história vive-se um momento no qual se vive uma oportunidade de manter ou perder o valor estratégico de um produto, uma comunidade, um país. Este é o momento do Açaí, e explico por quê.
O Açaí é hoje um dos produtos brasileiros com maior prestígio no mercado internacional de sucos saudáveis; em 2017 contribuiu com cerca de 600 milhões de Reais para a economia regional amazônica. Por seu potencial como alimento de elevado interesse já adotado pelas gerações X, Y e Z que buscam saúde e sabor, foi razão de uma disputa jurídica internacional ruidosa, alguns anos trás – foi registrado em 2003 como marca própria da empresa K.K. Eyela Corporation no Japão, e só retomada pelo governo brasileiro em 2007.
Pois agora o produto vive um momento de decisão sobre seu futuro: se vai ser “um vinho francês da Amazônia” e agregar valor de classe global, ou se vai virar uma “soja da floresta”. Esta decisão depende do grau de mobilização e providências de governos e comunidades diretamente interessadas; se não houver interesse agora, daqui a dois anos será tarde demais e caro demais reverter a percepção de valor. 
Quem faz o alerta é o Dr. Francisco de Assis Costa, economista, professor e pesquisador do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea) da Universidade Federal do Pará (UFPA) – na foto abaixo, sorridentemente capturado pelas lentes de Irene Almeida, da revista Pesquisa Fapesp. 

Segundo ele, “O método tradicional é bater o açaí sem atingir a capa de tanino em volta do caroço, que deixa um gosto desagradável. Esse cuidado foi fundamental no desenvolvimento da tecnologia local porque, se o batimento atinge o caroço mais fortemente, estraga o sabor do açaí para a cultura local. No entanto, uma tecnologia genérica, para polpa de frutas, não tem esse cuidado e bate o açaí mais fortemente, o que deixa o gosto diferente. As máquinas são mais rápidas, portanto mais rentáveis, e têm sido adotadas por empresas produtoras.”
O Prof. Assis Costa, Doutor pela Universidade Livre de Berlim e autor de 26 livros, entre os quais “A brief economic history of the Amazon: 1720-1970, de 2019”, em entrevista de março/2019 a Carlos Fioravanti, da Revista Pesquisa Fapesp 277, revela a situação que vive atualmente este fruto de palmeira: “O consumo de Açaí que surgiu recentemente em muitos lugares se orientou por sua condição de superalimento: as moléculas de antocianina é que importam; o sabor, derivado do teor de lipídios, não conta. A partir desse confronto se estabelecem os princípios de uma concorrência que poderá decidir aspectos importantes dessa economia. O Açaí será uma commodity genérica ou resguardará valor ligado ao seu terroir? Esta última possibilidade exige que ensinemos para o mundo o que é um bom Açaí, como os franceses e os italianos fizeram com seus vinhos.”
Então fica a pergunta, meu caro leitor ou leitora: o Brasil vai proteger o valor agregado da verdadeira identidade territorial do Açaí ou optar pela solução industrial passageira e comprometida apenas com lucro do volume máximo pela menor qualidade? Vamos exportar sabor ou volume? 
A foto acima, do Instituto Peabiru, registra uma das etapas de extração do Açaí que tem 100% de valor agregado da identidade cultural dos povos da floresta amazônica. Em nome do lucro rápido de atravessadores vamos triturar também essa cena?

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