quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Porque a cultura popular brasileira, tão rica no folclore, música, artes, literatura e culinária, continua invisível no turismo?


Por Rogerio Ruschel (*)
Meu prezado leitor ou leitora, quero convidá-lo(a) a refletir um pouco sobre cultura popular, nosso patrimônio coletivo. Esta semana o Ministério do Turismo divulgou o desempenho do turismo brasileiro em termos internacionais em 2016: crescemos 5%, com 6.6 milhões de visitantes, o que é pouco, porque sediamos as Olimpíadas. Veja a série histórica abaixo.

Talvez pudéssemos melhorar nossa atratividade turística se valorizassemos coisas exclusivas do país que poderiam nos ajudar a competir com outros destinos. Por exemplo, um patrimônio cultural exclusivo - nossa rica e diversificada cultura popular - relacionada a um de nossos maiores patrimônios naturais, a água. Na foto de abertura, cena da lenda da Vitória-régia.

Pois sugeri isso recentemente em um evento internacional. Dia 5 de dezembro de 2016 fiz uma palestra no “1st International Forum on Tourism and Heritage - Water, Heritage and Sustainable Tourism – IFTH-16” organizado pela Univesidade Portucalense – UPT na cidade de Porto, Portugal – veja foto acima. O congesso reuniu palestrantes de universidades de 14 países com o objetivo de “chamar a atenção para a importância da preservação da água no turismo (e na vida em geral) que se esgota na natureza e que em muitos locais do planeta é já um grande problema”, nas palavras da Dra. Isabel Vaz de Freitas, diretora do Departamento de Turismo, Património e Cultura da UPT.  

Minha palestra foi sobre “A Amazônia Azul – A influência do patrimônio tangível e intangível dos recursos hídricos do Brasil na construção da identidade social e cultural dos brasileiros e seu aproveitamento turístico”. Para quem não se lembra, “Amazônia Azul” é o nome que a Marinha Brasileira dá ao nosso mar territorial, um conceito que expandi para todos os recursos hídricos do país nesta palestra (na foto abaixo, Anavilhanas, Amazonia).
Para o trabalho pesquisei fontes como Câmara Cascudo, Darcy Ribeiro, Silvio Romero e o Plano Nacional de Turismo 2013/2016 da Embratur para identificar os mitos e lendas da Amazônia Azul trazido pelas três etnias fundamentais da nação brasileira (índios, portugueses e negros) na cultura brasileira em geral, no folclore, música, danças populares, poesia, artes, literatura, culinária, construcão naval, etc. Na sequência avaliei como estas várias dimensões do patrimônio cultural derviado das águas no Brasil são percebidas, reconhecidas e utilizadas turísticamente pelos brasileiros. Na foto abaixo a representação artistica de Tarsila do Amaral sobre as etnias dos operários brasileiros,

Comprovei o que já sabia: nossa cultura popular é riquíssima, mas pouco valorizada e muito pouco explorada turísticamente. Grande parte de nossa cultura está ligada às águas; a própria Padroeira do Brasil (na foto abaixo, com o Papa Francisco), o maior pais católico do mundo, veio das águas, quando Nossa Senhora Aparecida foi “pescada” em 1717 no rio Paraiba do Sul. 

Temos dezenas de lendas ligadas às aguas como a lenda da Boitatá (imagem abaixo), da Cobra-Grande, da Iara ou mãe-d'água e da Vitória-régia, mas elas raramente se transformam em temas de um produto turístico.

O Brasil tem uma construção naval muito rica; como Amyr Klink já havia demonstrado, nossa arquitetura naval popular reúne tradições ibéricas, mediterrânicas, norte-européias, africanas, asiáticas e americanas e o Projeto “Barcos do Brasil” associado ao Museu Nacional do Mar (estabelecido em 1993 na cidade de São Francisco, Santa Catarina, pólo de imigração açoriana) e a três embarcações (a canoa costeira Dinamar, o saveiro de vela Sombra da Lua e a canoa de pranchão Tradição), foi reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco.

Na literatura, poesia e música temos a realização de danças folclóricas como o frevo (acima) e fandangos no litoral, mas a maior contribuição da cultural popular na música talvez seja mesmo o samba. O samba nasceu no cais do porto do Rio de Janeiro (em Valongo, hoje local do Sambódromo, projetado por nosso talento de exportação Oscar Niemeyer) e creio que somos o único pais do mundo a ter uma canção popular utilizada como ferramenta de estratégia geopolítica: ”Esse mar é meu”, um samba de João Nogueira sobre as 200 milhas náuticas talvez incentivado pela ditadura militar no fim dos anos 60 para apoiar a decisão brasileira de aumentar seu mar territorial que “inimigos externos não queriam", e que virou tema da Escola de Samba Portela em 1981.

A importância das águas na música e na poesia inspirou talentos reconhecidos mundialmente como Dorival Caymmi, Vinicius de Moraes, João Marcelo Bôscoli, Tim Maia, Jorge Amado, Tom Jobim, Di Cavalcanti, Oswaldo Goeldi, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e muitos outros. Poucos eventos de fato valorizam isso com qualidade internacional, e um deles é a Festa Literária Internacional de Paraty, a FLIP (foto acima) que já conquistou o respeito internacional.

Realizamos centenas de eventos regonais e locais relacionados à água em todo o país - como as portuguesas procissões Marítimas de Nossa Senhora dos Navegantes e São Pedro, e as africanas as Festas de Iemanjá - mas temos poucos produtos turísticos de padrão internacional com foco na cultura popular. Entre estes destaco o Carnaval (que pode abordar temas relacionado à água), Círio de Nazaré e as Festas de São João – mas apenas um grande evento valoriza os mitos e lendas do reino das águas no Brasil em padrão global e de maneira permanente: o Festival Folclórico de Parintins, realizado no final de junho no coração da floresta amazônica. Para conhecer um pouco, acesse aqui: http://invinoviajas.blogspot.com.br/2016/12/festival-folclorico-de-parintins.html

Pois é, meu caro leitor ou leitora, continuamos oferecendo ao turista estrangeiro sol&mar (como na foto acima), o que não está errado, mas isto ele encontra em dezenas de países. E o que só nós temos, uma cultura popular forte, distinta, diversa e encantadora permanece invisível no turismo brasileiro e não é utilizada de maneira formal e planejada como atração turística, tanto para brasileiros quanto para estrangeiros. Encerrei a palestra na cidade do Porto mostrando que mesmo negaivo isso pode ser visto de maneira positiva porque abre uma série de oportunidades para investidores, planejadores, gestores públicos e agentes de turismo no Brasil - veja abaixo. Podemos transformar essa cultura popular forte, rica e diversa de nosso país em Roteiros turísticos temáticos; Parques temáticos – ao lado de oceanários e parques de lazer; Festas regionais com maior valorização e conteúdo; Concursos e festivais gastronômicos; Competições náuticas temáticas; Museus especializados; Concursos literários tematizados e Festivais de música folclórica. 

Eu acredito que um dia alguém vai perceber isso; apenas gostaria que fosse um investidor brasileiro. 
(*) Rogerio Ruschel é editor de In Vino Viajas a partir de São Paulo, Brasil e gostou muito de todos que conheceu na Universidade Portucalense.


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