Por Rogerio Ruschel
Meu caro leitor ou leitora, o que você vai
ler a seguir se chama opinião – o compromisso do autor do texto em contribuir
para o entendimento da realidade e para o aperfeiçoamento do cenário, mesmo se
expondo a dizer coisas que nem todos gostariam de ouvir. Opinião é coisa rara
na indústria dos vinhos, porque pouquíssimas pessoas pensam além dos elogios a
“rótulos”, e menos ainda dizem aquilo que pensam, e sim, aquilo que pode
agradar aos donos do mercado.
Pois não me pauto por isso, então anote: vamos errar de novo, cometendo os
mesmos erros ainda não aprendidos, que é o jeitinho brasileiro de não fazer o certo. A indústria vitivinícola brasileira, que no
segmento de vinhos finos de mesa atende apenas cerca de 20% do consumo dos
brasileiros, tomou duas medidas de contra-ataque à concorrência estrangeira,
mas mais uma vez negligenciando o caminho mais difícil (mas definitivo) do
marketing e preferindo o caminho fácil (e superficial) do lobby.
Primeira medida: dificultar o acesso dos
concorrentes. No final de 2019 o Brasil formalizou uma série de novos
procedimentos para a importação (e exportação) de vinhos para o país, com
a publicação no Diario Oficial, em 31 de dezembro de 2019, da Instrução
Normativa 75. O objetivo é “proteger o consumidor”, mas não sei se o fará
porque burocracia aumenta preços, embora de fato vá perturbar muitos chilenos,
alguns argentinos e os grandes importadores de vinhos europeus. Concordo que utilizar
a legislação é uma ferramenta útil na guerra por mercados e podemos utilizá-la
porque perdemos a batalha dos impostos com os produtores do Mercosul. Mas lembro que isso só aconteceu porque
não estávamos mercadológicamente preparados para a concorrência, como
continuamos até agora.
Segunda medida: utilizar recursos públicos para
ajudar empresas privadas. No início de janeiro de 2020 “In Vino Viajas”
divulgou (aliás, em primeira mão na imprensa especializada brasileira), que “o
governo Bolsonaro planeja separar cerca de 130 milhões de Reais provindos do
IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados para criar um fundo, chamado
Modervitis, que será usado para apoiar vinícolas brasileiras por 5 a 10 anos”.
Ou seja, vamos continuar doando dinheiro público (e vultoso!) para iniciativas privadas,
ainda desconhecidas,e que provavelmente serão utilizadas para reduzir custos, e
nnaopara melhorar mercados. Certo, esta também é uma ferramenta de guerra, a
concorrência é altamente subsidiada, então podemos utilizar.
Estas duas iniciativas não são ilegais, mas o
problema é que seu uso disfarça o problema real que é o fato de nnao temos uma
visão estratégica nacional e um planejamento sério em marketing.
O pano de fundo de tudo isso é a tempestade que se
aproxima, o Acordo Mercosul X União Europeia, que leva mais uns dois anos (ou
três) para ser aprovado pelosCongresso Nacional.
Desde que começamos a pisar uvas para fazer suco e
vinho aqui em Pindorama, no século XIX, nenhuma iniciativa memorável do setor incluiu
o óbvio: planejamento de marketing, o uso de conhecidas ferramentas de guerra mercadológica
do mundo ocidental, o be-a-bá do Philip Kotler e cia. Isso é io mínimo que se poderia
esperar de um país que forma anualmente centenas de gestores de padrão
internacional para diversos setores empresariais, que se diz uma economia
aberta e que está entre os 10 maiores PIBs do mundo.
Meu paciente leitor ou leitora, vou repetir: falta
visão da realidade e estratégias de marketing de médio e longo prazos
(estratégia de verdade); promoção coordenada e inteligente (inteligente mesmo);
associação de esforços com outros agentes de mercado com o mesmo objetivo (parceria
de verdade). E comunicação – comunicação de verdade: o vinho brasileiro se
comunica de maneira amadora, muito mal – e tudo isso ficou escancarado com o
desmantelamento do Ibravin, um grupo de ação entre amigos que se perpetuou por
mais de uma década, sem resultados.
Enquanto se buscam soluções artificiais
de lobby, legislação e política que aliviam o cash-flow mas não atacam os
problemas reais de posicionamento de mercado, os pequenos produtores continuam
lutando por espaço nos mercados secundários, tentam se encaixar no lobby da
compra obrigatória, ou se viram como podem, vendendo online. Já os grandes
produtores aprenderam a praticar as regras com as quais vão competir e vencer
no mercado de verdade, aquele que agrega valor, e não têm interesse em
mobilizações cooperadas, receando, por incrível que pareça, a ajudar os menores
a crescerem. Alguém tem que dizer aos produtores brasileiros que somente a
união de todos é que vai fazer a indústria nacional crescer e
consequentemente reduzir as importações.
Precisamos urgentemente de uma visão que contemple
inteligência de mercado para competir, e não de esperteza política. Temos
conquistado alguma reputação positiva com nossos espumantes – parece que
descobrimos um filão no qual somos competentes e competitivos. Parece também
que não precisamos de lobby para vender nossos espumantes dentro e fora do
Brasil. Vamos aproveitar e aprender com isso?