segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Guerras comerciais, motins, conflito de vaidades e milhões de relatórios: a complexa história de 263 anos de certificação dos vinhos do Porto


EXCLUSIVO – Entrevista com Dr. Alfredo José Silva, Diretor dos Serviços de Fiscalização e Controlo do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, IP

Meu caro leitor ou leitora, como é possivel avaliar, auditar, verificar, gerir e certificar milhões de litros de vinhos produzidos com dezenas de castas de uvas, por milhares de vitivinicultores em uma centena de diferentes tipos de micro-terroir, numa região de topografia complexa como o Norte e Vale do rio Douro e num ramo do agronegócio onde todo mundo é extremamente vaidoso? E fazer isso todos os anos!!! Complexo, meu caro leitorou leitora, é muito complexo. Pois para saber como isso é possivel, durante a Wine Trade Fair no Anhembi, dia 18 de setembro, falei com o Dr. Alfredo José Silva (foto abaixo), o homem responsável pela gestão de uma das mais importantes regiões vinícolas certificadas do mundo, a dos Vinhos do Douro e Porto .


Como se costuma dizer, as melhores idéias sempre surgem em momentos de crise. Pois foi isso que aconteceu no século XVII quando na cidade do Porto, Portugal, foi criada a segunda demarcação de origem de vinhos do mundo, depois de Tokaj, na Hungria, quando  em 1700 o príncipe Rakoczi II criou tres classes de qualidade das vinhas. Veja a seguir esta história.

Em 1754 os negociantes ingleses, que já dominavam parte da produção e o comércio exportador do vinho do Porto, decidiram não comprar mais vinhos portugueses, acusando os produtores de promoverem adulterações. Isso poderia muito bem ser apenas uma jogada para negociar melhores preços, mas para acabar com este argumento dos ingleses, em 10 de Setembro de 1756 o inteligente Primeiro Ministro de Portugal, o Marquês do Pombal, criou a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro para “manter a reputação do vinho, o granjeio da vinha, de modo a que, remunerado o Comércio, recompensasse a Lavoura”.

As funções da companhia eram: demarcar o território; cadastrar as parcelas de vinha; classificar as parcelas e os vinhos em função da sua qualidade e estabelecer preços dos vinhos mediante a sua categoria. Foram criados três tipos de vinhos: Vinhos de “feitoria”, que é como se chamariam muitos anos depois os vinhos finos de terroir; Vinhos de embarque, para exportação; Vinhos de ramo ou de mesa. Espertamente a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro tinha o monopólio da comercialização de todos estes vinhos. Mais de dois séculos depois, em 1921 a área da Região Demarcada do Douro foi re-definida em 4 distritos, 21 concelhos, 172 freguesias agrupadas em três sub-regiões geográficas: Baixo Corgo, Cima Corgo e Alto Douro. E este é o formato atual.

Seria de esperar que a instituição do monopólio da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro não fosse pacífica. Pois não foi, e entre as principais reações aconteceu o “motim dos taberneiros”, ocorrido no Porto, que provocou incêndios e violência porque os comerciantes (hoje donos de bares e restaurantes) se revoltaram contra o monopólio dado à Companhia para definir preços e vender os vinhos.

Mas a história da Denominação de Origem do Vinho do Porto teria muitos outros percalços. No século XX aconteceram outros problemas como a filoxera; ações de  concorrência desleal; o crescimento da mendicância em Portugal e a emigração ou fuga do Norte de Portugal. O Estado teve que intervir para fazer reformas e em 1933 foi criado o Instituto do Vinho do Porto para coordenar as atividades da Casa do Douro (uma Associação de Produtores) e do Grêmio de Exportadores (uma Federação de Comerciantes). O Instituto seria uma organização autônoma com funções públicas de defesa dos interesses do comércio do Vinho do Porto.

Com o Instituto do Vinho do Porto, no século XX foram definidos os mecanismos fundamentais que asseguram a qualidade dos vinhos Porto e Douro nos dias de hoje: Classificação das parcelas de vinha em 1934; criação do sistema de “Beneficios”, que é quantidade de vinho do Porto autorizada a produzir, em 1936; e em 1932, foram definidas regras sobre a capacidade de venda, parte do mecanismo que interfere nos preços de vendas de uvas para as adegas.

Em 2003, depois de várias reformas e fusões entre organizações no Norte e Douro, surgiu o atual Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, I.P. (IVDP, I.P.) como uma organização pública com receitas próprias a quem compete certificar, controlar, promover e proteger as duas Denominações de Origem produzidas na Região, do Porto e do Douro. Um Decreto-Lei de 2012 estabeleceu assim as tarefas  do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto:
·      Auditar e gerir as parcelas de vinha;
·      Atribuir o benefício;
·      Rececionar as Declarações de Colheita e Produção.
·      Certificar os vinhos DOP e a IGP e as rotulagens.
·      Certificar a documentação de exportação e gerir as
·      contas correntes.
·      Fiscalizar e garantir a qualidade do produto.
·      Promover e defender os Vinhos do Douro e do Porto.

Conforme estatísticas de 2018, o IVDP atualmente legisla sobre uma área que representa 22% da área vinícola de Portugal, com 43.500 ha de vinhas, dos quais 40.049 ha estão registrados como Denominação de Origem Protegida - DOP. São permitidas 115 castas de uvas para produzir Vinho do Porto e Douro (especialmente Touriga Franca (23%), Tinta Roriz (13,5%), Tinta Barroca (10%) e Touriga Nacional 8,2%) e 343 para produzir o vinho IGP Regional Duriense. No mesmo ano a região tinha 20.370 vitivinicultores – lá chamados de Exploradores. O processo de gestão parece simples, mas é complexo, veja a imagem abaixo

Licenças, avaliação e preços das uvas para produção de vinho do Porto são obtidas através de critérios qualitativos  - ou o mais qualitativo possivel - tendo como base um método de pontuação com 12 critérios extremamente complexos.

Para realizar esta tarefa a IVDP conta com um orçamento de 10 milhões de Euros, cerca de 155 funcionários e algumas ferramentas para simplificar a complexidade de avaliações, como um avaliador da uvas acoplado a um GPS e um Geo-Portal de Cadastro Vinícola. Como o Douro repousa suas uvas sobre curvas de nivel (os terraços), os desenhos finais de cotação dos vinhedos é muitocomplexo, como mostra o exemplo da imagem abaixo.

Na última safra foram feitas 2.801 certificaçõeas e 593 fiscalizaçõees na região demarcada como Douro; e 1.298 certificações e 832 fiscalizações na região certificada como do Porto. Mas o trabalho também cansa o nariz: 4.000 amostras de Douro foram provadas pelos fiscais e 2.600 de vinhos do Porto, em Câmaras de Prova que não podem sofrer a menor influência externa. Incluindo os mais de 6.000 vinhos provados, no ano de 2018 exatos 166.725 parâmetros foram avaliados! Todo este trabalho foi feito para proteger as denominações que incluem DOP Porto, DOP Vinho do Douro, Moscatel do Douro – DOP Douro, Espumante do Douro – DOP Douro e IGP Duriense – Vinho Regional Duriense.

Pois é, meu caro leitor ou leitora: a experiência dos pioneiros mostra que não basta criar uma Identidade Geográfica ou Denominação de Origem para um vinho. É preciso manter 24 horas de atenção todos os 365 dias do ano para evitar que o esforço de muito tempo (neste caso de 263 anos!) caia por terra por falta de seriedade no controle e fiscalização.

Isso tudo está dentro do seu vinho do Porto ou Douro. E eu brindo a isso.

sábado, 21 de setembro de 2019

CVR Vinhos Verdes, Portugal: um brinde aos 111 anos fazendo marketing inteligente para um produto diferenciado

Por Rogerio Ruschel
Meu prezado leitor ou leitora, amei de verdade as duas vezes em que visitei o Minho, Portugal, região dos Vinhos Verdes, fazendo palestra e turismo. Pois neste 18 de Setembro de 2019 a CVRVV - Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes comemora 111 anos da criação formal da Demarcação de Origem da Região dos Vinhos Verdes e quero enviar meu brinde daqui de São Paulo.
A CVRVV representa um esforço comunitário focado em um único tipo de vinho que é exclusivo no mundo. Isso poderia ser considerada uma limitação para muitos vinhateiros, mas os minhotas a transformaram em uma vantagem e hoje este vinho único, refrescante e alegre, chega a mais de uma centena de países por duas grandes razões: primeiro porque são vinhos excelentes e exclusivos, e segundo, porque os produtores investem em organização, cooperação, fiscalização – e marketing, marketing do tipo inteligente.
Segundo Manuel Pinheiro, Presidente da Comissão Executiva da CVRVV, esta é a receita do sucesso. Diz ele: “É importante sublinhar o extraordinário trabalho que toda uma equipa de viticultores, produtores e engarrafadores tem feito pela Região dos Vinhos Verdes ao longo de tantas décadas, tornando possível que hoje celebremos 111 anos com uma expressão forte da Região em todo o Mundo.” Na foto abaixo eu verifico vinhas de Alvarinho em uma quinta em Ponte de Lima, na fronteira com a Galícia espanhola.



Para você ter uma idéia, destaquei alguns exemplos de iniciativas de marketing inteligente bem atuais, que vão além do que a CVRVV já faz permanentemente como a promoção da Rota dos Vinhbos Verdes, ações do Museu do Vinho Verde, programas de visitas as Adegas, festivais de gastronomia, festas do vinho Alvarinho (participei de uma delas, a Feira do Alvarinho, veja a foto que abre este matéria, onde estou com outros palestrantes de um Congresso Internacional de Enoturismo, em 2016) e tantos outras iniciativas que são o dia-a-dia dos produtores. Veja só as mais recentes realizações:

* Dia 8 de Novembro os produtores vão conhecer o Plano de Promoção 2020 da Região dos Vinhos Verdes e os resultados de um estudo estratégico de valorização da marca Vinho Verde nos mercados internacionais, além da nova plataforma de inscrição nas ações de promoção da CVRVV.

* Os Vinhos Verdes e os Vini Veronesi (via Consorzio Associazione Vini Veronesi (AVIVE) que reúne as DOC Arcole, Bardolino, Custoza, Garda, Lessini Durello, Lugana e Soave) assinaram um protocolo de cooperação que une a região do Minho (Portugal) e a região de Verona (Itália) – o Programa Grandes Vinhos Europeus. Um exemplo que precisa ser conhecido por produtores brasileiros que têm alergia a trabalho conjunto: vinhos “concorrentes”, de países “concorrentes” associados em um esforço de ampliação da base de consumo. Financiado em 80% pela União Europeia, o programa é focado na geração Millennials, mas permitirá também chegar a 2.400 profissionais de diversos mercados. O roteiro inclui eventos conjuntos em Beja (28 de setembro), Faro, Évora, Setúbal, Portimão, Santarém, Lisboa (Encontro com Vinhos, 9-11 de novembro), Leiria, Coimbra e Funchal. Isso em Portugal, porque o orçamento de 3,4 milhões de euros em três anos prevê promoção conjunta na Dinamarca, França, Alemanha e Portugal. As ações serão realizadas pela agência Essência do Vinho e ministradas por profissionais da Revista de Vinhos.


* Entre 6 e 7 de Novembro a Academia do Vinho Verde (sim, eles criaram um ambiente próprio para capacitação de profissionais), em parceria com o Turismo de Portugal - Escola do Porto (sim, o enoturismo é entendido como centro de lucro), promoverá a formação em Enoturismo - Nível 1. Segundo a informação, “Esta formação pretende dotar os formandos de técnicas e de conhecimentos que potenciem a experiência da visitação turística, bem como da utilização dos recursos turísticos da Região na concepção da oferta do produto da unidade de Enoturismo.  A duração da mesma é de dois dias, sendo abordados os temas atendimento, acolhimento e informações turísticas.”

Alem disso a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes disponibiliza aos associados programas de eventos internacionais e nacionais; estatisticas de estoque e vendas; e programas de visita de compradores e jornalistas de mercados-alvo. Só para deixar claro: a CVRVV é um organismo interprofissional dedicado a proteção e promoção do Vinho Verde e da denominação Minho e se estrutura como uma “Associação Regional, Pessoa Colectiva de Direito Privado e Utilidade Pública”.

Brindo a isso. Quando vamos aprender estas lições e aplicar por aqui?

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Participe da 20a. edição do Concurso Internacional de Ilustrações Satíricas Spirito Di Vino di Veneza

Por Rogerio Ruschel

Estimado amigo ou amiga, se você é um desenhista, cartunista, criador gráfico ou artista plástico, gosta do mundo dos vinhos e tem bom humor, não perca esta chance: até o dia 10 de outubro de 2019 você pode inscrever sua ilustração na 20a. edição do Concurso Internacional de Ilustrações Satíricas Spirito Di Vino de Veneza.

O concurso é promovido pelo Movimento Turismo del Vino Friuli Venezia Giulia e aberto para artistas do mundo todo enviarem suas obras a respeito do mundo e cultura do vinho, afim e conscientizar os amantes do vinho sobre a necessidade de beber com responsabilidade.

Os desenhos satíricos podem ser feitos manualmente com qualquer técnica, preto e branco ou colorida, apenas no formato A3 com 1 cm de margem. Cada participante tem o direito de enviar apenas um trabalho. Os trabalhos devem ser enviados em cópia impressa e assinados no canto (frente) ou no verso da página.

A competição possui duas categorias divididas de acordo com a idade, sendo a primeira para artistas de 18 a 35 anos e a segunda destinada para ilustradores com mais de 36 anos. Os vencedores das duas categorias vão ganhar fama mundial e garrafas de vinho:
·      1º lugar = 75 garrafas de vinhos finos de Friuli 
·      2º lugar = 50 garrafas de vinhos finos de Friuli
·      3º lugar = 25 garrafas de vinhos finos de Friuli

Para participar os interessados devem enviar seus desenhos para o endereço Movimento Turismo del Vino Friuli Venezia Giulia - Via del Partidor, 7 – 33100 Udine (Italia), além de preencher e realizar upload da imagem participante no site do concurso que está aqui: http://www.spiritodivino.cloud/index.php/en/

A cerimônia de premiação será realizada durante o Festival Friuli DOC realizado na cidade de Udine, Itália. Dizem que é um show de alegria e bom humor – além de ótimos vinhos, evidentemente.

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Moinho de Avis: a beleza a favor do vento na Serra do Montejunto em Vilar, Cadaval, uma simpática atração turística pertinho de Lisboa


Por Rogerio Ruschel
Meu prezado leitor ou leitora, uma das imagens mais tranquilizantes é estar em uma montanha e lá de cima olhar para um vale verdejante com casinhas, rios e vida urbana a seus pés. E se neste vale tiver também vinhedos e a seu lado existir um moinho de vento lindo, azul e branco, girando, girando e girando – isso sim é um momento tranquilizante. Tive um momento assim em Portugal e vou contar a seguir.
Os moinhos de vento foram inventados na China ou na Pérsia, no Século V, para bombear água para irrigação, e aos poucos foram sendo utilizados para movimentar moendas de grãos. Durante o período feudal na Europa os moinhos pertenciam aos senhores poderosos, e só podiam ser utilizados por servos ou camponeses mediante o pagamento de uma taxa abusiva. 
Talvez esta tenha sido a razão pela qual Miguel de Cervantes colocou há 400 anos atrás seu personagem “El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de La Mancha” com seu cavalo Rocinante a lutar contra moinhos de vento – ele lutou bravamente contra estes gigantes malvados! Que na verdade, vistos de perto, são maravilhosas arquiteturas de madeira, como dá para ver abaixo.

Com a industrialização e os novos processos de moagem, os moinhos de vento instalados no topo das colinas perderam a sua missão principal de moer grãos de trigo para fazer farinha, mas nunca deixaram de ser locais simpáticos e até mágicos, que despertam a curiosidade de quem passa.

No Brasil temos poucos registros deles – e muita informação sobre os modernos moinhos de vento para produção de energia eólica, esses gigantes que perturbam a paisagem especialmente no Sul e no Norte. Nosso potencial é avaliado em 143 GW e esta potencialidade da energia eólica é quase uma vez e meia o que se produz atualmente de eletricidade no Brasil.




Em Portugal atualmente existem 26 moinhos de vento recuperados e alguns deles em condições de moer os cereais tal como era habitual há centenas de anos; ficam em Peniche, Cadaval Lourinhã, Torres Vedras, Sobral de Monte Agraço, Arruda dos Vinhos e Alenquer.

Em 2016 visitei um deles, em Cadaval, perto de Lisboa. E conheci Miguel Luis Evaristo Nobre – conhecido como Miguel Nobre - o único artesão certificado no oficio de restauro e manutenção de moinhos de vento em Portugal – e provávelmente o único que pode ensinar isso no idioma Porguguês. Ele opera moinhos de vento na Serra do Montejunto, Vilar, Cadaval, distante 72 Km de Lisboa, região com vinhedos de várias uvas, entre elas a Vilar. 

Sua empresa é a Arte ao Vento, dedicada ao restauro e manutenção de Moinhos de Vento. O local recebe visitantes, e com seu sobrinho Carlos Bernardino transformou uma pequena casa em um restaurante que oferece comida típica saborosa e uma vista espetacular da região. Bruno Gomes, gestor de turismo da Quinta do Gradil – a gloriosa adega que foi do Marquês do Pombal - foi quem me levou lá. Na foto acima, da esquerda para a direita, Bruno Gomes, Rogerio e Miguel Nobre (de camisa vermelha).


domingo, 1 de setembro de 2019

Um curso internacional sobre Indicações Geográficas para diferenciar produtos na multidão global de commodities

Por Rogerio Ruschel
Meu caro leitor ou leitora, em todos os momentos da vida você pode fazer escolhas; eu escolhi sempre continuar aprendendo. E esta semana minha escolha se transformou no Certificado de Conclusão do curso “Adding Value to the Origin of Products Through Geographical Indications (GIs)” sobre “Como agregar valor à origem dos produtos com a Indicação Geográfica - IG” expedido pela ITC SME Trade Academy, de Genebra, Suiça, a plataforma de capacitação internacional do International Trade Center (ITC).
Fiz o curso para me manter atualizado em termos internacionais e enriquecer a segunda edição do meu livro “O valor global do produto local – A identidade territorial como estratégia de marketing” publicado pela Editora Senac em maio de 2019. Entendo que me manter informado sobre este assunto é fundamental. Como com o Acordo Mercosul – União Europeia cerca de 350 produtos europeus de alta qualidade com identidade territorial (como Camembert, Gorgonzola, Bologna, Pata Negra, Conhaque, Champanhe…) vão competir entre si por preço dentro do território brasileiro, corremos o risco de ficar só assistindo.
Com o Acordo o preço dos produtos, especialmente agroalimentos (como café, queijo, vinho, frutas, doces, frios, carnes, tecidos, mel, artesanato, cachaça, couro, pedras, cacau, etc) vai gradativamente perder importância na decisão de compra. E então a valorização da personalidade de um produto através da identificação com um território – seja um Selo Senaf, Marca Coletiva, Identidade Geográfica ou Denominação de Origem – será (como sempre foi) o único elemento que de fato vai diferenciar, personalizar e agregar valor a um produto, tirando-o da competição de commodity no Mercado Global. Então estou me preparando para ajudar produtores brasileiros (especialmente os pequenos e oriundos da Agricultura Familiar) a se prepararem para este embate.

Um curso internacional
O International Trade Center (ITC) tem sede em Genebra, Suiça. Minha professora foi uma italiana com pos-graduação em propriedade intelectual e tive cerca de 30 colegas de todo o mundo, especialmente da America Latina e Ásia. Três deles (até agora) pediram cópia do meu livro (que enviei, certamente): o indiano Amod Salgaonkar, dirigente de uma ONG de Mumbai (Maharashtra); o vietnamita Ky Anh Tran, que trabalha no Vietnam National Office of Intellectual Property e Rebecca Ferderer, que não identificou seu pais de origem.
O curso foi feito em ingles e online em cerca de duas semanas. Investi umas 16 horas para assistir três aulas (todas com questionários próprios), avaliar um estudo de caso, fazer um trabalho de conclusão de curso (TCC) e finalmente fazer uma avaliação do curso.
Meu estudo de caso foi sobre a Denominação de Origem Chá Darjeeling, um produto da região do Norte de Bengala, India, e que tem uma Identidade Geográfica fortissimo, reconhecida praticamente no mundo inteiro. Tive que estudar a história da produção e mobilização, as características do produto, o processo de certificação, parte da legislação, estrutura oficial de monitoramento, controle e marketing, e os esforços para manter o Chá Darjeeling como a mais importante Denominação de Origem de chás do mundo. Muito know-how inglês, aprendi muito. 


Para fazer meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) tinha que Identificar um produto em um país em desenvolvimento que pudesse se beneficiar do reconhecimento de IG; descrever o caminho da identificação para o reconhecimento como IG (elementos para se qualificar para o status da IG, etapas que precisam ser tomadas para estabelecer a IG e os principais atores que devem estar envolvidos no processo); e finalmente desenvolver uma estratégia de reconhecimento, proteção e promoção, para incentivar o desenvolvimento sustentável na área de origem.
Meu TCC foi sobre o Talian. O Talian, um idioma falado por cerca de 500.000 brasileiros e o segundo mais falado no Brasil no dia-a-dia de famílias segundo o IBGE, é falado exclusivamente no sul do país, e não encontrado na Itália de onde derivou – e Talian é a palavra italian sem o inicial "i".
O Talian é um idioma oficialmente reconhecido como "Referência Cultural Brasileira" pelo Ministério da Cultura (MinC) e como "Patrimônio Cultural" pelos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, resultante de 150 anos de miscigenação dos idiomas português, espanhol e indígena com os vários dialetos italianos existentes na Itália até 1859, trazidos imigrantes do Lazio, Lombardia, Veneto, Sicília, Piemone, Sardenha e muitos outros regiões da Itália. Estes dialetos vieram para o Brasil com os imigrantes e aqui continuaram sendo falados em família, enquanto desparaeciam na Itália por causa da unificação.
O Talian persiste no sul do Brasil em programas de rádio e WebTV, revistas, dicionários, cursos e programas educacionais – além de se o idioma “interno” de milhares de famílias. Nos municípios de Serafina Correia, Flores da Cunha, Parai e Nova Erechim o Talian é reconhecido localmente como idioma oficial, ao lado do português. Para saber mais sobre isso acesse http://www.invinoviajas.com/2015/10/veneto-trentino-e-toscano-veja-como/
O International Trade Center (ITC) foi criado em 1964 pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e Organização das Nações Unidas (ONU) e é a única agência de desenvolvimento totalmente dedicada ao apoio à internacionalização de pequenas e médias empresas (PMEs). Seu objetivo é apoiar as PMEs, especialmente das economias em transição, para que se tornem mais competitivas e se conectem aos mercados internacionais de comércio e investimento, aumentando a renda e criando oportunidades de emprego, especialmente para mulheres, jovens e comunidades pobres.
Como sou um pequeno empresário, vivo em uma economia de transição e quero ser mais competitivo, fiz o curso. E brindo a quem me permitiu isso: Deus – e o International Trade Center.
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