Por Rogerio Ruschel, editor
Exclusivo – Entrevista com o Jorge Tonietto, Pesquisador de Zoneamento/Indicações Geográficas da Embrapa Uva e
Vinho
Meu caro leitor ou
leitora, precisamos valorizar nossos recursos ampelológicos e humanos. Por isso
publico hoje uma entrevista com Jorge Tonietto, que trabalha com Pesquisa e
Desenvolvimento na Embrapa Uva e Vinho de Bento Gonçalves-RS – uma das organizações da Embrapa,
empresa de excelência em pesquisa agronômicas. O Dr. Tonietto (na foto acima, de
Viviane Zanella) é Engenheiro agrônono com especialização em Viticultura e Enologia em Climas Cálidos pela Universidad de Cádiz, Espanha; Mestrado
em Fruticultura de Clima Temperado, no Brasil e Doutorado em
Biologie de L'évolution et Ecologie pela École Nationale Supérieure
Agronomique de Montpellier, França. Aprendeu a trabalhar com uvas de
climas temperados, tropicais, quentes e frios. E a partir de agora compartilha
um pouco deste conhecimento com os leitores de In Vino Viajas.
“As Indicações
Geográficas (IG) trazem uma nova filosofia para organizar e valorizar a
produção vinícola.”
Rogerio
Ruschel -
Numa visão histórica, desde 1937 com a criação do Laboratório Central de
Enologia no RJ, quais as cinco principais contribuições da Embrapa Uva e Vinho
para nossa vitivinicultura?
Jorge
Tonietto
- Em 1975,
quanto a Unidade da Embrapa de Bento Gonçalves foi criada, ela tinha
abrangência estadual. Posteriormente se transformou no Centro Nacional de
Pesquisa de Uva e Vinho. Além da sede, a Unidade possui duas Estações
Experimentais: a Estação de Viticultura Tropical (EVT), em Jales (SP), e a
Estação Experimental de Fruticultura de Clima Temperado (EFCT), em Vacaria
(RS). Desenvolve ações de pesquisa com uva, vinho, maçã e outras fruteiras de
clima temperado. Dentre as dezenas de tecnologias geradas, destaco a criação de
diversas novas variedades de uvas de mesa (BRS Clara, BRS Isis, BRS Linda, BRS
Melodia (abaixo, na foto de João Henrique Figueiredo), BRS Morena, BRS Núbia,
BRS Vitória, Zilá, Tardia de Caxias) e para processamento (BRS Bibiana, BRS
Carmem, BRS Cora, BRS Lorena, BRS Magna, BRS Margot, BRS Rúbea, BRS Violeta,
Concord Clone 30, Isabel Precoce, Moscato Embrapa).
É um resultado de sucesso
da pesquisa, mesmo comparando- se com o que é gerado nos países desenvolvidos.
Outro ponto alto foi a liderança na implantação da primeira Produção Integrada
de Frutas, para maçã, que agora já permeia diversas culturas, incluindo as uvas
para processamento, reforçando a sustentabilidade ambiental. Na área
vitivinícola destaco a estruturação das indicações geográficas de vinhos,
também conseguido numa ação pioneira da Embrapa Uva e Vinho no Brasil, num
trabalho iniciado na década de 1990.
Rogerio Ruschel - Onde estão os melhores terroirs do Brasil, entre os já conhecidos
e utilizados? E em que regiões ou estados poderemos ter terroirs com bom
potencial para vinhos entre os que ainda não são conhecidos ou não foram
utilizados? São Paulo? Mantiqueira? Cerrado?
Jorge
Tonietto
- Como diz
o termo “terroir”, o que dá certo tende a multiplicar-se no setor produtivo,
constituindo uma coletividade de produtores, formando as regiões vitivinícolas
- os territórios do vinho. Isto está presente na tradicional Serra Gaúcha e
outras, bem como em diversas novas regiões que surgiram no Brasil a partir dos
anos 1980 – Campanha Gaúcha, Serra do Sudeste e Vale do São Francisco, ou
ainda, nas mais recentes, como a dos vinhos de altitude em Santa Catarina -
incluindo São Joaquim, e nos Campos de Cima da Serra no Rio Grande do Sul.
Mas
temos outras regiões que estão despontando, como aquelas dos vinhos tropicais
de altitude em diversos estados, incluindo São Paulo, Minas Gerais ou na
Chapada Diamantina na Bahia. Mas, pelo visto nas últimas 4 décadas, o Brasil
não deve parar por aí. Excluindo-se os climas tropicais úmidos, existem diversas
regiões que poderão ser exploradas na produção de vinhos. A atividade se
estabelece quando há um encontro entre o potencial vitícola – clima, solo,
adaptação de variedades, associado à tecnologia enológica – tudo ajustado para
cada território.
Rogerio
Ruschel
- Quais as tres castas de uvas que poderiam se candidatar a ser “a uva que
melhor expressa os terroirs do
Brasil”?
Jorge
Tonietto
- Para mim
o terroir não é uma casta. É mais do que isto – é uma criação de caráter
complexo, do saber humano “em parceria” com o meio natural, que o produtor
vitivinícola revela no vinho. Um ótimo exemplo disto é o do espumante fino da
Serra Gaúcha. Este produto, que é um produto de terroir, tem como uvas
altamente identitárias a Chardonnay, a Pinot Noir e a Riesling Itálico,
perfeitamente adaptadas e parte deste terroir, que se consolidou na vertente de
uma conjunção de fatores do meio geográfico, incluindo clima, solo, variedades
e expertise nas práticas enológicas, tudo consolidado num saber-fazer regional.
Rogerio
Ruschel
- Vinho é um produto globalizado porque concorrentes de várias partes do mundo
estão à venda no supermercado da esquina. Por isso produtores de vinhos do
Brasil tem que ser competitivos globalmente. Somos competitivos em qualidade? E
em preço? Quais nossas melhores “armas” para aumentar nossa
competitividade?
Jorge
Tonietto
- Vou falar
apenas de uma arma para aumentar nossa competitividade, justamente no tema em
que trabalho. Trata-se das Indicações Geográficas (IG), que incluem as
Denominações de Origem (DO). Elas trazem uma nova filosofia para organizar e
valorizar a produção. Tudo está embasado na estruturação da produção nos
territórios do vinho para oferecer produtos de qualidade e originais ao mercado
consumidor. Pela seriedade deste trabalho com que os produtores estão
empenhados, articulados em associações (Aprovale, Asprovinho, Apromontes,
Afavin, Aprobelo, Progoethe, Vinhos da Campanha Gaúcha, Vinho de Altitude de
Santa Catarina, Vinhovasf), os consumidores vão ver crescer a oferta de vinhos
de qualidade dos terroirs do Brasil.
“Embora
ainda não seja tão perceptível, a verdade é que o Brasil fez um trabalho de
estruturação de IGs e DOs com uma velocidade que jamais seria imaginada.”
Rogerio
Ruschel
- A valorização da origem é parte fundamental da estratégia de marketing de um
vinho no mundo todo. Porque o Brasil tem tão poucas certificações de origem
(DOs ou IGs)? E porque não as valorizamos como os europeus? O que a Embrapa Uva
e Vinho pode fazer para ajudar a modificar isso?
Jorge
Tonietto
- Embora
ainda não seja tão perceptível, a verdade é que o Brasil fez um trabalho de
estruturação de IGs e DOs com uma velocidade que jamais seria imaginada.
Enquanto que na Europa o tema se desenvolveu sobretudo a partir do início do
século XX (a França comemora neste ano o centenário da primeira lei das
apelações de origem que é de 1919), no Brasil, a primeira IG (Vale dos
Vinhedos) foi reconhecida há apenas 16 anos, em 2002. Hoje já temos no Brasil
reconhecidas as IGs Pinto Bandeira, Altos Montes, Monte Belo, Farroupilha,
Vales da Uva Goethe, além da DO Vale dos Vinhedos. Estão em vias de
estruturação para reconhecimento: Campanha Gaúcha, Vale do São Francisco, Altos
de Pinto Bandeira e Vinhos de Altitude de Santa Catarina.
Veja o mapa mais abaixo.
A Embrapa Uva e Vinho, em parceria com outras instituições de PD&I e os
produtores organizados em associações, foi pioneira neste tema no Brasil -
incentivou o pais a entrar nesta temática e coordenou a maioria dos projetos
que possibilitaram chegar à situação atual. As condições estão sendo criadas e
o Brasil será reconhecido de forma crescente pelas IGs e DOs dos diferentes
territórios do vinho, seja no Brasil quanto no exterior.
Rogerio
Ruschel
- Se as DOs e IGs brasileiras de vinhos seguem modelos europeus de organização,
e o enoturismo já está representando mais de 1/3 do faturamento das vinícolas,
porque nossas Rotas de Vinhos em DOs e IGs não tem identidade juridica própria,
plano de ação, diretoria, vida econômica própria, como na Europa?
Jorge
Tonietto
- É certo
que há um potencial enoturístico muito grande a explorar no Brasil no tema das
DOs e IGs. É só imaginar a diversidade de experiências que cada IG e DO pode
proporcionar aos turistas, possibilitando uma imersão num mundo tão rico, que
envolve o patrimônio cultural, os valores imateriais, a paisagem construída, as
particularidades do terroir e a qualidade diferencial dos vinhos. Tudo isto no
contato com o produtor de uvas e vinhos. Entendo que as IGs e DOs são um prato
cheio para o enoturismo. Já foram feitos avanços significativos, a exemplo do
que ocorre no Vale dos Vinhedos sob a liderança da Aprovale. Mas temos que
considerar também que tudo tem seu tempo para se desenvolver plenamente. A
verdade é que o enoturismo está ganhando importância no Brasil, inclusive como
elemento de viabilização do negócio do vinho, aproximando o consumidor do
produtor e do produto brasileiro.
“Entendo
que as IGs e DOs são um prato cheio para o enoturismo.”
Rogerio
Ruschel
- Quanto tempo, em média, leva um projeto de pesquisa da Embrapa Uva e Vinho?
Por exemplo: quanto tempo e quantas pessoas se dedicaram ao desenvolvimento das
uvas BRS Melodia (sem sementes, para mesa) e BRS Vitoria ou BRS Isis, para
vinificação?
Jorge
Tonietto
- Posso
falar dos projetos de estruturação de IG e DO de vinhos. Não são ações curtas
no tempo, pois a Embrapa sempre busca desenvolver projetos estruturantes, que
dêem forte suporte de conhecimento e tecnologia ao produtor, para que ele
explore o território no seu melhor potencial, incluindo os microclimas, os
solos, a adaptação das variedades e seus clones, além de apoiar a geração dos
estudos e comprovações exigidas para o reconhecimento de IG ou DO. E os
projetos são dinâmicos para atender demandas cada vez mais especializadas –
hoje temos projetos de apoio às Indicações Geográficas, selecionando leveduras
nativas para fortalecer o elo entre o produto e sua origem. Também estamos
selecionando os melhores clones para cada IG e DO. Normalmente trabalhamos com
projetos de 3 a 4 anos de duração.
Rogerio
Ruschel
- No Brasil temos uvas (italianas e francesas) gerando bons vinhos em altitudes
de até 1.400 m, como em Santa Catarina. Na Europa existe produção em regiões
tão elevadas quanto estas? Exportamos este know-how?
Jorge
Tonietto
- O tema da
viticultura de altitude é menos uma questão de know-how e mais um tema de
climatologia. No Brasil temos vinhedos de altitude que chegam aos 1400 metros
acima do nível do mar na região de São Joaquim em Santa Catarina, por exemplo.
Na Bolívia há vinhedos muito mais altos. Isto está bastante associado à
latitude e localização geográfica da região. Já na Europa, as áreas mais altas
situam-se ao redor dos 1000m de altitude, como nos vinhedos mais altos do Vale
de Aosta por exemplo. Nas regiões mais altas da Europa o cultivo da videira não
é mais possível por serem regiões muito frias, onde as plantas não resistem ao
frio ou então não conseguem maturar corretamente as uvas para elaboração de
vinhos.
“A
técnica da poda inveertida teve um desenvolvimento importante orientado pela
Epamig, empresa de pesquisa agropecuária do estado de Minas Gerais.”
Rogerio
Ruschel
- Poda invertida: como funciona? Quem implantou no Brasil? Que beneficios
oferece para a produção vitivinicola brasileira em relação ao mercado
internacional? Exportamos este know-how?
Jorge
Tonietto
- A poda
invertida é importante na produção de vinhos tropicais de altitude (chamados
vinhos de inverno), encontrada em alguns estados brasileiros, como em São
Paulo, Minas Gerais e outros. A técnica teve um desenvolvimento importante
orientado pela Epamig – empresa de pesquisa agropecuária do estado de Minas
Gerais. Nas regiões vitícolas de clima temperado, temos apenas um ciclo
vegetativo da videira e uma colheita por ano, seguido do inverno, onde a planta
entra em repouso.
A técnica da poda invertida pode ser aplicada às regiões que
apresentam clima com o potencial para dois ciclos vegetativos por ano: no
período chuvoso do ano o ciclo da videira não objetiva colher uvas para
vinificação; é no ciclo de inverno que se produz a uva, pois apresenta
temperaturas amenas e ocorre no período seco do ano, possibilitando uma
adequada maturação das uvas para a elaboração de vinhos finos de qualidade. A
viticultura tropical no mundo apresenta situações assemelhadas, porém
distintas, sobretudo nos climas de monções da Ásia (Índia, Tailândia e outros),
onde os vinhedos destinados à elaboração de vinhos são conduzidos em dois
ciclos por ano – um no período úmido do ano, onde não se produzem uvas, e outro
no período mais seco do ano no qual as uvas dão origem aos vinhos tropicais.
“Os
vinhos tropicais são um convite à descoberta desta nova visão geográfica que
passa a integrar a vitivinicultura mundial.”
Rogerio
Ruschel
- A Embrapa desenvolveu o conceito de viticultura tropical (mais de uma safra
por ano). Como é possivel ter no Nordeste brasileiro vinhedos com mais de uma
safra por ano? Existe alguma perda de qualidade por parte da uva (açúcar,
minerais, produz menos casca, “cansa” a videira) quando isso acontece?
Exportamos este know-how?
Jorge
Tonietto
- De fato,
o Brasil é um país de vanguarda mundial no desenvolvimento científico e
tecnológico da viticultura tropical - aquela que apresenta potencial para mais
de um ciclo da videira por ano, com uma ou mais safras por ano. Quando a
produção de uvas é destinada à vinificação, resulta os chamados vinhos
tropicais. Esta condição é possível pela ocorrência de temperaturas nos
diferentes meses do ano que possibilitam à videira vegetar ao longo do ano. Esta
condição, aliada a técnicas de manejo dos vinhedos, com variedades adaptadas
para cada região, e pelo uso da irrigação, possibilitam a produção de uvas e a
elaboração de vinhos em todos os meses do ano no caso do Vale do São Francisco,
por exemplo.
Esta região apresenta uma condição original e exclusiva da
viticultura tropical, não encontrada na Europa obviamente. Os vinhos de
qualidade destas regiões apresentam qualidades e características próprias,
influenciadas pela climatologia destas regiões e a tudo o que está associado à
produção nestas condições. Eu diria que se trata de um novo capítulo da
história da vitivinicultura mundial, agora formada pela produção nas regiões
tradicionais - sobretudo na Europa, pela produção dos países do novo mundo
vitivinícola e, mais recentemente, pelos produtores dos vinhos tropicais, com
suas regiões situadas na zona intertropical do planeta. Os vinhos tropicais são
um convite à descoberta desta nova geográfica que passa a integrar a
vitivinicultura mundial."
Brindo a isso, Jorge Tonietto.