Por Rogerio Ruschel (*)
Exclusivo – Entrevista exclusiva de Paolo Benvenuti, diretor da Città del
Vino, a Rogerio Ruschel.
Meu prezado leitor ou leitora, quero te
apresentar Paolo Benvenuti, um grande sujeito e uma conhecida personalidade da
vitivinicultura italiana e europeia, diretor executivo há muitos anos da
Associação Italiana de Cidades do Vinho – a Città del Vino - a maior e mais
eficiente associação de produtores de vinho do mundo. Conheci Benvenuti pessoalmente
em um congresso de enoturismo em Portugal, quando participei de uma mesa de
debates junto com ele, mas já conhecia a Città del Vino e os leitores também,
porque In Vino Viajas já publicou várias pesquisas produzidas por eles (veja no
fim da reportagem).
A Città del Vino reúne milhares de pessoas e
organizações em municípios que tem sua economia
fortemente influenciada pela vinicultura na Itália. Entre seus associados estão
560 prefeituras, centenas de produtores responsáveis por 80% dos vinhedos
italianos com certificação de origem (200.000 hectares DOC e DOCG), a maioria
de pequeno porte; 4.052 hotéis que empregam 142.000 pessoas; 1.500
hotéis-fazenda de agriturismo com 18.000 camas; 189 campings e locais para
campismo; e centenas de restaurantes, bares de vinho, lojas e adegas de
qualidade. (Na foto abaixo, Anticoli Corrado, com 943 habitantes, no Lazio,
próximo de Roma).
A Città del Vino é uma organização cuja
missão é fazer respeitar e promover a identidade do vinho italiano, em um
ambiente de excelência técnica. Como nós sabemos, o vinho tem identidade
própria, construída pela tradição, herdada do território, do terroir, da
comunidade e do talento dos que o produzem. Embora produza vinhos comercialmente
desde 1875, o Brasil começou a se preocupar com a identidade de seus vinhos apenas
há 10 anos, com a busca por IGs e DOCs. Esta inércia, aliás, é uma das causas dos
brasileiros terem preconceito contra o produto nacional e também de nosso baixo
sucesso internacional: como vinho é um produto cultural e é impossivel querer
que outros povos dêem valor a um produto que nós mesmos não valorizamos, só nos
resta competir em preço ou encontrar pequenos nichos como o dos espumantes.
Uma organização com o perfil da Cittá del
Vino - que trata o vinho como alimento e o posiciona como elemento cultural de
uma comunidade e não apenas um produto “de agribusiness” - poderia ser o vetor
institucional desta tarefa no Brasil. Então, quando tivermos forças para romper
a inércia e unir produtores, prefeitos, hoteleiros, restauranters e lideranças dos
trades do vinho, do turismo e da cultura no Brasil num mesmo projeto de longo
prazo acima de partidos, regionalismos e outros interesses menores, talvez o
modelo organizacional da Cittá del Vino possa nos inspirar.
Os números da Cittá del Vino impressionam. Embora tenha que lidar
com milhares de italianos parlantes, normalmente agitados e apaixonados por seu
próprio vinho (que sempre é melhor do que o do vizinho), Benvenuti é uma pessoa
extremamente calma, com a paciência de quem vive na Toscana e com o sentido de
tempo afinado para respeitar os lentos ciclos da natureza e as tradições, como
a expressa pela paixão dos italianos pelo minúsculo Cinquecento da foto acima.
Com
a palavra meu amigo Paolo Benvenuti.
“Somos uma rede de pequenos municípios que tenta reduzir a parte negativa
da globalização.”
R. Ruschel – Paolo, quem
é a Cittá del Vino?
Paolo Benveanuti – “A Associação Italiana de Cidades do Vinho foi fundada em 1987, um ano
após o estabelecimento do Slow Food e do lançamento da primeira edição do Guia de
Vinhos italianos. Revendo os anos oitenta e as profundas mudanças que estão
ocorrendo na agricultura e viticultura desde lá, "Città del Vino" é o
intérprete destas inovações porque tem o objetivo de dar voz aos territórios,
as pequenas cidades e a quem está no campo, a fim de torná-los protagonistas do
desenvolvimento econômico, levando em conta os valores das comunidades locais,
especialmente no domínio dos serviços, a partir de alimentos para o turismo. Somos
uma rede de pequenos municípios que tenta reduzir a parte negativa da
globalização.“
“A excelência dos vinhos italianos é obtida
em pequenas cidades: Montalcino (foto acima), onde é produzido o Brunello,
(talvez o mais famoso vinho do mundo) tem apenas 5.000 habitantes; Barolo e
Barbaresco, em conjunto, não excede estes números. 80% dos municípios
associados a Città del Vino, um total de 500, tem menos de 10.000 habitantes. A
vinicultura dá força às áreas rurais. A Associação representa todas as regiões
vinícolas italianas, é a maior rede de cidades de preservação de valores, de
identidade, a primeira na Europa e no mundo. No sentido mais político e
administrativo, os municípios representam o primeiro nível - e talvez o mais
importante - de um governo democrático sobre os territórios e os interesses das
suas comunidades, empresas e cidadãos, que devem trabalhar em conjunto para o
desenvolvimento econômico e social sustentável da sua própria realidade. Na
foto abaixo, a vila de Barolo, no Piemonte.
R. Ruschel – Como
trabalha a Associação? Qual o valor da mensalidade para os associados?
Paolo Benvenuti - “A Associação opera através de uma empresa de serviços – a CI.VIN.Srl -
com colaboradores e parceiros, e faz a gestão da comunicação da marca (na
internet e redes sociais, em impressos em publicações on-line) e outras
principais atividades. As principais são a competição internacional de vinhos
"Selezione del Sindaco ", a principal da Itália e uma das maiores do
mundo e o "Calici di Stelle",
o maior evento de verão entre produtores de vinhos de cidades italianas
realizado na noite das estrelas cadentes, em 10 de Agosto; este evento é
realizado em parceria com o Movimento Turismo del Vino. Nós também buscamos
oportunidades de experiências reais com estágios específicos para jovens
enólogos e outras atividades técnicas.
“A Cittá del Vino se mobiliza no caminho cultural, político e estratégico
como uma união de territórios italianos de vinho.”
Por outro lado, a Associação está se movendo
no caminho cultural, político e estratégico, como uma união de territórios
italianos de vinho. Ela funciona sobre os seguintes temas: planejamento urbano,
paisagem e alimentos e turismo do vinho. É a única associação na Europa a ter um
Observatório do Turismo do Vinho, que produz anualmente um relatório sobre o
assunto. Na foto abaixo a equipe de organização e julgamento dos vinhos
participantes do concurso internacional Selezione del Sindaco 2015, da Cittá
del Vino, reunida no Palácio Marquês de Pombal, em Lisboa.
A Associação também mantém forte
relacionamento com a Recevin (a Rede Europeia de Cidades do Vinho) e com uma
pequena alteração no Estatuto, todas as cidades italianas de vinho também serão
um membro desta associação europeia, e a partir disso se associarão também a
AENOTUR (que você conhece e vem divulgando com frequência) e apoiarão a Rota
Cultural Europeia Iter Vitis.
A Cittá del Vino também é uma instituição
cultural com a "Biblioteca das Cidades do Vinho" que já reúne mais de
3.000 volumes e com uma exposição permanente de arte moderna dedicado ao vinho.
Os municípios associados pagam uma taxa anual com base no número de habitantes:
a partir de 100 €, para os municípios que têm menos de 500 habitantes chegando
a 2.673 € para os municípios com mais de 20.000 habitantes.“ Na foto abaixo
viela de Montepulciano, pequena cidade com vinhos excelentes - foto de Mário
Ventura.
“A Itália tem 403 vinhos
com Denominação de Origem e 118 com Indicações Geográficas e utilizamos cerca de 500 diferentes tipos de
uvas para produzi-los”
R.
Ruschel – Quais os beneficios
dos associados?
Paolo Benvenuti – “A vinicultura italiana é talvez uma
das mais ricas e complexas do mundo: temos 403 vinhos com Denominação de Origem
e 118 com Indicações Geográficas.
Cerca de 500 diferentes tipos de uvas são necessárias para produzir estes
vinhos e todas elas estão inscritas em um
Catálogo Nacional além de outros milhares de pequenas castas de uva
locais. Temos mais de 5.000 feiras e festivais dedicados ao vinho todos os anos
na Itália, e centenas de museus e adegas públicas. Estes são valores que têm de
ser protegidos e promovidos pela Cittá
del Vino. Em todas as regiões italianas a produção de vinho dá à
luz micro ou macro economias, culturas, ambientes e paisagens, cada uma
diferente da outra. Estudamos esses fenômenos, destacamos as culturas e as
melhores práticas, desenvolvemos habilidades que podem ser compartilhados. E
compartilhamos tudo isso com uma boa comunicação. “ Na foto abaixo um vinhedo plantado com uma técnica de 3.000 anos de cultivo da Ilha Pantelleria,
a “vite ad alberello”, que foi tombada como Patrimônio Mundial da Humanidade da
UNESCO.
R.
Ruschel – Quais são os
compromissos de uma Cidade do Vinho associada?
Paolo
Benvenuti - “No
estatuto da associação adotamos uma "Carta da Qualidade das Cidades do
Vinho", que pretende representar nossas metas e compromissos que uma
cidade deve tomar para melhorar a viticultura e a produção de alimentos e
vinho, na convicção de que todas as Cidades do Vinho têm um traço comum que os
une, mas cada um deles pode e deve ser diferente do outro. Os princípios são
dez: proteger o vinho e sua paisagem; simplificar os procedimentos
administrativos para as empresas no setor do vinho; esclarecer o papel do vinho
e da percepção; disponibilizar a cultura do vinho; participar de rotas do
vinho; abrir as adegas; oferecer os vinhos em restaurantes; inserir os vinhos
em seus ambientes; produzir o vinho com criatividade; e participar o mais
possível do calendário do vinho. “ Na foto abaixo Benvenuti comanda o evento de entrega dos prêmios “Selezione
del Sindaco”.
“Se a
qualidade de vida do cidadão em sua comunidade é positiva, ele tem que fazer
com que isso seja percebido pelos outros”
R. Ruschel – Como a Cittá del Vino universaliza o enoturismo?
Paolo
Benvenuti - “A
valorização da cultura do vinho não pode ser improvisada. Hoje existem
relativamente poucas áreas nas quais você não sente que está em um lugar
"excepcional" do ponto de vista do vinho e sua cultura. Isso não
significa apenas ter vinícolas, mas ter todo um sistema que funciona em torno
do vinho. Um dos mais belos projetos que estamos promovendo é o "Cellars
sem Barreiras" (adegas sem barreiras), um projeto que visa a remoção de
dificuldades físicas e melhorar o acesso às caves de vinho e territórios para
as pessoas com deficiência, os cadeirantes. Além de estar na moda e ser amplificado
pela mídia, atender deficientes é uma atitude turística mas principalmente de
cidadania, porque o turista não
pode ser tratado como um cordeiro indo para o matadouro. O nosso trabalho vai
nesse sentido: se a qualidade de vida do cidadão em sua comunidade é positiva,
ele tem que fazer com que isso seja percebido pelos outros - especialmente em
um território de vinho.“
R. Ruschel – Como a
Cittá del Vino contribui institucionalmente com a indústria de maneira geral?
Paolo Benvenuti – “Há mais
de 15 anos nós estabelecemos o Observatório do Turismo de vinhos em colaboração
com várias universidades e com a organizacção de pesquisa italiana
"Censis". (Acima um quadro de pesquisas realizadas pela Cittá del
Vino, já publicadas por In Vino Viajas.) Estes relatórios têm fornecido um
apoio valioso para identificar a oferta e a procura e estabelecer diretrizes
para as empresas em geral que estejam em territórios de vinho. A Cittá del Vino
tem contribuído, em seguida, para a lei italiana sobre roteiros do vinho e com
o texto da Carta Europeia de Enoturismo. Em 2016, a Itália vai sediar a parte
européia do Congresso Internacional de Turismo do Vinho e uma cidade italiana
será nomeada "Cidade Europeia do Vinho". Na foto abaixo, Paolo
Benvenuti.
R. Ruschel – Como você
percebe a industria do vinho no Brasil?
Paolo Benvenuti - “O Brasil é um grande mercado emergente para vinho e turismo do vinho,
uma base importante para o desenvolvimento e a cultura do vinho. Nós nos
sentimos ligados pela história e pela amizade: a cidade de Garibaldi já está
irmanada com Conegliano Veneto. Tudo isso só tende a se desenvolver e eu acho
que existem as condições adequadas para a criação de uma rede de produtores
brasileiros de vinhos de padrão internacional, a fim de incentivar o
conhecimento, o diálogo e os intercâmbios. Afinal de contas o Brasil foi o país
anfitrião da edição de 2015 de "La Selezione del Sindaco", e os seus
vinhos se destacaram em qualidade. Além disso, houve o Congresso de Aenotur em
Viana do Castelo e Ponte de Lima em Portugal com forte presença de brasileiros.
Eu acredito que nós podemos seguir em frente, neste caminho.”
Você tem razão, Paolo, grazie tanto! E eu brindo a isso.
(*) Rogerio Ruschel é editor de In Vino
Viajas e admirador do trabalho de pessoas e organizações que respeitam o talento
e valorizam a cultura comiunitáriamente.