Prezado
leitor ou leitora. Sonia Denicol é uma sommelière que desenvolve um trabalho de pesquisa,
divulgação e venda de vinhos brasileiros de identidade, através da marca Madame
do Vinho. Baseada em São Paulo, Sonia viaja por regiões escondidas em todo o pais
para pesquisar novos produtos, e divulga as melhores descobertas em seu blog e quando atua
como jurada em degustações. Se você que está lendo isso não mora no
Brasil, saiba que esse é um trabalho muito difícil porque o país é muito grande
e o preconceito contra o vinho brasileiro é muito forte. Mas é um trabalho
importantíssimo que respeito muito e por isso pedi que Denicol, entre uma e outra
viagem respondesse algumas perguntas para que eu pudesse te apresentar a Madame
do Vinho. Na foto acima, de Nadia Jung, a Madame e o vinho, e na foto abaixo,
alguns destes vinhos brasileiros pouco conhecidos – por enquanto.
R. Ruschel: Qual é a tua formação, o teu trabalho,
desde quando e como você faz?
S. Denicol: Sou filha de
gaúchos, aprendi a gostar de vinhos desde menina com a minha família. E aí,
quando eu passei por uma fase de mudança de carreira, resolvi transformar a
paixão que eu tinha pelo vinho em trabalho. A ideia surgiu em 2013 e o projeto
começou efetivamente em 2014, justamente com os vinhos brasileiros, com os
quais eu já tinha familiaridade e um contato mais facilitado com os produtores.
Criei então a marca Madame do Vinho e através dela iniciei um trabalho de vendas
diretas ao consumidor final, aproveitando o network que eu já tinha
estabelecido no meu trabalho anterior.
Optei pelos
vinhos de pequenos produtores, primeiro porque eram produtos que me davam uma
vantagem de exclusividade em relação a lojas e supermercados. Segundo porque já
naquela época eu comecei a perceber que, por serem produções pequenas e mais artesanais,
mostravam uma qualidade incrível e uma identidade bem brasileira. Aí eu me
encantei por eles e não parei mais! Ao mesmo tempo em que eu desenvolvia o projeto,
fui buscar uma formação, como os cursos de Sommelier do Senac e a certificação
do Wine & Spirits Education Trust (WSET). Mas com certeza os maiores
aprendizados vieram das viagens para visitar produtores. Não há melhor
aprendizado do que conhecer a produção de vinho “in loco”! Hoje o trabalho é
bem simples: eu envio a seleção de vinhos por e-mail para os clientes. Eles
fazem os pedidos por e-mail mesmo ou por telefone. Em São Paulo eu faço as
entregas pessoalmente. Para outras localidades o envio é por transportadora. E
para ampliar a carteira de clientes, todo lugar ou momento pode ser uma boa
oportunidade de fazer novos contatos: uma feira, um evento de degustação, uma
festa, indicações de amigos e por aí vai.
R. Ruschel: Voce trabalha
só com vinhos brasileiros? Porque? Dá para comparar com produtos estrangeiros?
S. Denicol: Sim, só trabalho com vinhos brasileiros por acreditar que eles são tão bons quanto qualquer outro vinho do mundo. Ao contrário de outros países, o consumidor brasileiro desconhece o que é produzido em seu próprio país, seja por falta de informação ou por puro preconceito. Então eu também abracei a missão de divulgar e quebrar paradigmas. No passado tínhamos uma produção de qualidade inferior e essa imagem ainda hoje gera preconceito e rejeição ao produto nacional. Porém, a partir da década de 90, houve uma evolução incrível. Os produtores fizeram a lição de casa, foram buscar o aprimoramento da produção, do vinhedo a vinícola, equiparando os padrões de qualidade aos da produção mundial. Neste ponto podemos sim comparar os vinhos brasileiros aos estrangeiros, são tão bons quanto. Porém eu considero importante destacar que estas comparações nunca podem perder de vista o estilo dos vinhos de cada região e de cada país. (Na foto abaixo, alguns dos vinhos da vinícola Atelier Tormentas, em foto do blog de Flavio Henrique).
S. Denicol: Sim, só trabalho com vinhos brasileiros por acreditar que eles são tão bons quanto qualquer outro vinho do mundo. Ao contrário de outros países, o consumidor brasileiro desconhece o que é produzido em seu próprio país, seja por falta de informação ou por puro preconceito. Então eu também abracei a missão de divulgar e quebrar paradigmas. No passado tínhamos uma produção de qualidade inferior e essa imagem ainda hoje gera preconceito e rejeição ao produto nacional. Porém, a partir da década de 90, houve uma evolução incrível. Os produtores fizeram a lição de casa, foram buscar o aprimoramento da produção, do vinhedo a vinícola, equiparando os padrões de qualidade aos da produção mundial. Neste ponto podemos sim comparar os vinhos brasileiros aos estrangeiros, são tão bons quanto. Porém eu considero importante destacar que estas comparações nunca podem perder de vista o estilo dos vinhos de cada região e de cada país. (Na foto abaixo, alguns dos vinhos da vinícola Atelier Tormentas, em foto do blog de Flavio Henrique).
Apesar do
Brasil estar geográfica e históricamente inserido no chamado Novo Mundo do
vinho, seu estilo tem muito mais a ver com o do Velho Mundo. As condições de
solo e clima das regiões produtoras brasileiras geram vinhos menos potentes
porém mais elegantes, com teor de álcool mais moderado, maior acidez e frescor.
Já os vinhos do Novo Mundo são mais encorpados e potentes, tem teor de álcool mais
elevado e menos frescor. Alguns críticos e especialistas, com nítida
preferência pelo estilo Novo Mundo, acabaram por determinar este padrão como
referência de vinhos de qualidade. Então muitos consumidores que seguem a linha
destes críticos e gostam do estilo, julgam os vinhos brasileiros, assim como
outros neste estilo, como ruins e de baixa qualidade, o que não é verdade. É
apenas uma questão de preferência de paladar, mas não de falta de qualidade. Inclusive
é bom ficar atento, porque este padrão vem mudando na Europa, há uma tendência
para vinhos menos alcoólicos e com mais frescor. Será que aí os vinhos
brasileiros vão entrar na moda? (Garagem
criativa: na foto abaixo alguns dos badalados vinhos de Eduardo Zencker
apresentados no blog de Lis Cereja – ambos naturebas de carteirinha).
R. Ruschel: Qual o perfil
dos produtores que voce revende, representa? Comente um pouco como eles vivem,
trabalham, as familias, o ambiente onde produzem.
Muitas vezes
a vinícola, ou a cantina, como eles costumam chamar o ambiente de produção lá
no sul, é na própria casa, no porão, na garagem ou em construções anexas a
casa, muitas delas mantendo as antigas estruturas de pedra e madeira
construídas pelos primeiros imigrantes. E há sempre um projeto futuro, de
construir o lugar ideal, de produzir um vinho especial que idealizam e até
mesmo de chegarem a produções orgânicas. É uma relação muito apaixonada com o
vinho. É um negócio do qual eles dependem para viver, mas tem algo mais, tem um
amor e também uma generosidade imensa em receber que vem do prazer e do orgulho
de partilhar o vinho que fazem. E aí muitas vezes você se vê sentado a mesa
partilhando de uma refeição com toda a família. Essa é sem dúvida a experiência
mais profunda, prazerosa e emocionante do vinho. E quantas vezes eu já chorei!
R. Ruschel: Como você
trabalha com os produtores? Onde os descobre? Como avalia o produto deles?
S. Denicol: Eu estou o tempo todo pesquisando, estudando as regiões e a história, e fazendo contatos para descobrir
onde se produz bom vinho pelo Brasil! Normalmente pela internet eu descubro a
maioria dos produtores. As vezes é por indicação, durante uma viagem, quando
alguém me recomenda um pequeno produtor, daqueles que ficam escondidos porque
não tem nenhuma placa de sinalização para chegar até ele. Então basta um
pequeno desvio na rota para encontrar algo surpreendente. Aí quando eu me
deparo com uma destas preciosidades eu vou logo conversar com o produtor, quero
saber tudo, qual é a sua história, como é o lugar onde produz, o seu jeito de
ver e fazer o vinho. E quando se encaixa no perfil que eu procuro, então
formamos uma parceria, que é bem simples, um acordo comercial para vender os
vinhos diretamente ao consumidor final. É uma ponte entre o produtor e os
consumidores, para fazer chegar até eles vinhos incríveis e desconhecidos, que
dificilmente se encontram no mercado em geral. (Veja abaixo um mapeamento da
Embrapa que já inclui regiões emergentes na produção vinícola).
Para avaliar os vinhos eu considero o conjunto do trabalho do produtor e o resultado na taça, se o vinho é bem feito e se tem um equilíbrio bom e agradável de cor, aromas e paladar, se ele me encanta, se dá prazer de beber e sobretudo se ele me diz: “eu sou do Brasil”! O meu interesse aumenta ainda mais quando vejo apostas em variedades sabidamente bem adaptadas no Brasil, apesar de não serem comercialmente tão valorizadas, como Riesling Itálico, Peverella (veja abaixo) e Moscatos entre as brancas, e Cabernet Franc, Teroldego, Marselan, Ancellotta, Barbera e Sangiovese entre as tintas. Algumas destas variedades fizeram bons vinhos, muito consumidos até a década de 80, mas que acabaram sendo substituídas por Cabernet Sauvignon, Merlot e Chardonnay, com maior demanda de mercado. Há vinhos incríveis elaborados hoje com estas variedades por pequenos produtores e que eu aposto no grande potencial que elas tem para revelar vinhos bem brasileiros, com a qualidade que a gente espera dos bons vinhos. (Abaixo, o Era dos Ventos Peverella em foto de Pedro Mello e Souza)
R. Ruschel: Você pode
destacar algumas marcas ou produtores?
S. Denicol: Nossa, são
tantos e tão bons! Mas eu gostaria de destacar dois em especial: o meu primeiro
parceiro de trabalho, um dos pioneiros no Brasil de produções mais artesanais,
mais autênticos e naturais, que é o Atelier Tormentas, do Marco Danielle. Há 10
anos atrás produzir este tipo de vinho no Brasil era uma ousadia e representava
a contramão do que se produzia e vendia no mercado. Foi um tempo muito difícil,
de muitas críticas, quase nenhum apoio e muitas portas fechadas. Mas vale a
pena persistir quando a gente acredita em alguma coisa, pois hoje o Marco é
referência neste tipo de vinho e produz um Pinot Noir que é considerado por
muitos apreciadores como o melhor produzido no Brasil com esta variedade. (Na
foto abaixo, Marco Danielle fotografa um de seus badalados vinhos naturais e de produção reduzida.)
Na outra
ponta está um dos mais novos projetos, também ousado, a Vinha Unna, da jovem e
competentíssima Marina Santos (na foto abaixo). Ela investe exclusivamente no
cultivo orgânico e biodinâmico, não só na sua própria produção de vinhos, mas
dando consultoria para vários outros produtores da Serra Gaúcha para reconversão
dos seus vinhedos. Ao contrário de todos os que insistem em dizer que nesta
região não é possível produzir em sistema orgânico, incluindo a própria indústria
química, para quem não interessa a expansão de uma agricultura mais
sustentável, a Marina prova, com seus belos vinhos e com uma produção doméstica
de ervas, legumes, frutas e verduras biodinâmicas, que é possível sim, que dá
certo e que tem muita qualidade.
Ela também tem trabalhado com estas variedades mais “brasileiras”, como a
Cabernet Franc e a Barbera, e o resultado tem sido incrível, tudo o que ela
produziu na primeira safra se esgotou em poucos meses. Vejo no trabalho do
Marco, da Marina, e de tantos outros que estão fazendo trabalhos semelhantes, um
novo caminho se desenhando na produção do Brasil, de vinhos focados em
sustentabilidade, qualidade e identidade. Um caminho sem volta e que já tem a adesão
de muitos consumidores. Invariavelmente, quando um cliente compra um vinho
destes e gosta, ele sempre pergunta: que outros vinhos brasileiros como este
você tem? É um bom sinal, não é mesmo?
O
trabalho da Madame do Vinho de divulgação e venda de vinhos brasileiros com
identidade pode ser conhecido no blog http://madamedovinho.blogspot.com.br. Para
receber a seleção de vinhos com todas as informações envie
um e-mail para madamedovinho@terra.com.br
(*) Rogerio Ruschel, editor deste blog, sabe
que muitas estradas de terra terminam em grandes salões sofisticados - e podem ir além...