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sábado, 23 de novembro de 2019

Acordo histórico entre União Europeia e China vai proteger 200 Indicações Geográficas de alimentos da agricultura familiar

Por Rogerio Ruschel

Meu caro leitor ou leitora, a cada dia fica mais óbvia a importância de se agregar uma denominação de origem a produtos agroalimentos como forma de diferenciação e valorização em um mercado global de commodities. Tenho reiterado isso aqui no “In Vino Viajas”, no meu livro “O valor Global do Produto local”, da Editora Senac, e em palestras que venho fazendo sobre o tema em geral e sobre o Acordo Mercosul X União Europeia em particular. Aliás, a China é o maior parceiro comercial do Brasil e já tinha apresentado em 2018 seu interesse em um acordo com o Brasil envolvendo 100 de suas Indicações Geográficas; então acho que em breve teremos novidades.
Pois dia 6 de novembro de 2019 foi formalizado um acordo bilateral de enorme importância econômica e estratégica que podemos considerar histórico porque vai proteger 100 indicações geográficas europeias na China e 100 indicações geográficas chinesas na União Europeia (UE) contra imitações e falsificações. Quer dizer: os chineses não vão poder produzir e comercializar queijos “tipo camembert” ou presuntos “tipo pata negra” e em compensação os europeus não vão poder produzir e comercializar “chá branco tipo Anji Bai Cha” ou “arroz tipo Panjin Da Mi”.  O acordo agora será aprovado formalmente pelas partes: a UE pretende obter a aprovação do Parlamento Europeu até o final de 2020. Os quadros abaixo mostram alguns destes produtos e sua denoiminação protegida em chinês.

Os acordos visam proteger designações específicas de produtos para promover suas características únicas, vinculadas à sua origem geográfica e ao know-how tradicional – que obviamente agregam valor porque diferenciam os produtos da gigantesco cenário de commodities alimentícias. E vai ser ampliado: quatro anos após a sua entrada em vigor, será estendido para abranger outras 175 indicações geográficas de ambas as partes. Essas denominações devem seguir o mesmo procedimento de registro que as 100 denominações iniciais de cada parte já cobertas pelo acordo inicial.
Enquanto no Brasil consideramos mais importante a exportação de alimentos sem valor agregado, como commodities, que tem financiamento oficial e apoio governamental de todos os tipos, os agroalimentos de origem da Agricultura Familiar são um dos grandes trunfos da agricultura europeia porque preservam cultura, geram empregos e receitas, diminuem a migração de pessoas para as cidades e oferecem uma série de benefícios.
A União Europeia possui mais de 3.300 denominações registradas como indicação geográfica protegida (IGP) ou denominação de origem protegida (DOP); no Brasil não chegam a 70.  As indicações geográficas da UE têm um valor de mercado de cerca de 74,8 bilhões de Euros e representam 15,4% do total das exportações de alimentos e bebidas da UE; no Brasil ainda não temos dados oficiais. Além disso, existem cerca de 1.250 denominações de países terceiros protegidos na UE, principalmente devido a acordos bilaterais como o que acaba de ser assinado com a China. 
Os europeus perceberam que os Estados Unidos estão se isolando por conta própria. O presidente Trump faz questão de inimizar com a China que é o segundo destino para as exportações agroalimentares da UE, com um valor de 12,8 bilhões de Euros no período de doze meses entre setembro de 2018 e agosto de 2019. É também o segundo destino para as exportações dos europeus de produtos protegidos, como indicações geográficas, que representam 9% do seu valor, incluindo vinhos, produtos agroalimentares e bebidas espirituosas.
O mercado chinês tem um alto potencial de crescimento para alimentos e bebidas de qualidade como os europeus, com uma classe média afluente e crescente que aprecia produtos europeus autênticos, emblemáticos e de qualidade. Os chineses também possuiem seu próprio sistema de indicações geográficas bem estabelecido, com especialidades que os consumidores europeus agora podem descobrir graças a este acordo. Produtos como espumante, champanhe, queijo feta, uísque irlandês, Polska Wódka, Porto, presunto de Parma e queijo Manchego estão incluídos na lista de indicações geográficas a serem protegidas na China. Entre os produtos chineses, a lista inclui, por exemplo, Pixan Dou Ban (pasta de feijão Pixian), Anji Bai Cha (chá branco Anji), Panjin Da Mi (arroz Panjin) e Anqiu Da Jiang (gengibre Anqiu).
A cooperação entre a UE e a China em indicações geográficas começou há mais de dez anos em 2006 e resultou no registro e proteção por ambas as partes de dez denominações de indicações geográficas em 2012, que lançaram as bases da cooperação atual.
Enquanto isso no Brasil é lenta a mobilização para aprovar internamente o Acordo Mercosul com a União Europeia e também não nos mobilizamos para dotar nossa Agricultura Familiar de recursos de inteligência de mercado para poder competir em um mercado global. 
O mundo gira, a fila anda. E o comércio se sofistica.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Conheça o Nesos, o mitológico vinho grego feito com uvas banhadas no mar Egeu, recriado após 2.500 anos


Fonte: TV Prato, Toscana; edição Rogerio Ruschel
Meu estimado leitor ou leitora, mais uma vez "In Vino Viajas" vai te contar uma novidade internacional em (quase) primeira mão. Experimentar um vinho cuja garrafa ficou na água do mar por alguns meses já foi uma novidade - mas isso agora é coisa antiga. A novidade é o renascimento do vinho Nesos, cujas uvas brancas da casta Ansonica, de Elba, são marinadas no mar Egeu por vários dias, antes da vinificação. Na mitologia grega, as Nesos eram as deusas das ilhas, filhas da mãe Gaia. A idéia de recriar o vinho, depois de 2.500 anos, seguindo os traços de um mito, nasceu pelas mãos de Antonio Arrighi, pequeno produtor da ilha de Elba, que por mais de dez anos vinificou um vinho local em ânforas de terracota Impruneta, em colaboração com Attilio Scienza, professor de viticultura da Universidade de Milão, que pesquisava sobre este mitológico vinho da ilha grega de Chios (ou Quio).
Pois 40 garrafas com safra de 2018 do Nesos, o vinho marinho, finalmente foram apresentados dia 13 de novembro de 2019 em Florença, durante uma conferência organizada em colaboração com a Região da Toscana, a Promoção do Turismo da Toscana, a Fondazione Sistema Toscana e a Vetrina Toscana.
 
A uva usada para recriar esse método específico de vinificação (que, na minha opinião vai virar Patrimônio Intangível da Humanidade em 10 anos) é a Ansonica, uma uva branca típica de Elba, provavelmente um cruzamento de duas uvas antigas do mar Egeu, Rhoditis e Sideritis, variedades com uma casca muito resistente e uma polpa crocante que permitia uma longa estadia no mar. As uvas do Nesos foram imersas no mar por 5 dias a uma profundidade de cerca de 10 metros, protegidas em cestas de vime – como na foto acima.Esse processo permitiu eliminar parte do florescimento superficial, acelerando a subsequente secagem ao sol nas prateleiras, sem atingir a produção de um vinho doce. O sal marinho durante os dias de imersão, por "osmose", penetra mesmo no interior, sem danificar a uva, que depois é fermentada em ânforas de terracota após a separação dos caules. A presença de sal nas uvas, com efeito antioxidante e desinfetante, evita o uso de sulfitos e é um vinho extremamente natural, muito semelhante ao produzido há 2.500 anos.


Os vinhos de Chios, uma pequena ilha no leste do mar Egeu, faziam parte de uma famosa elite de vinhos gregos considerados produtos de luxo no rico mercado de Marselha e, posteriormente de Roma. O escritor romano Marco Terenzio Varrone o chamou de "vinho dos ricos" no ano de 22 a.C. e, como foi registrado por Plínio, o Velho, César o ofereceu no banquete para celebrar seu terceiro consulado. Como os vinhos de Lesvos, Samos ou Thaso, os vinhos de Chios eram doces e alcoólicos, a única garantia para suportar o transporte marítimo, como os atuais vinhos Porto e Madeira. 
Mas tinham um segredo que os tornava particularmente aromático: a presença de sal resultante da prática de imergir as uvas em cestas no mar, com o objetivo de remover a flor da casca e acelerar a secagem ao sol, assim preservando o aroma da videira. A partir das análises realizadas pela Universidade de Pisa, constatou-se que o conteúdo fenólico total do vinho do mar é o dobro do produzido tradicionalmente, e isso se deve à maior extração ligada à redução parcial da resistência à casca.

A ligação entre este vinho mitológico e a ilha de Elba também é histórica. Como todos os comerciantes gregos, também os do vinho de Chios, faziam escala no caminho de volta à sua terra natal, à ilha de Elba e a Piombino, para carregar materiais ferrosos, entrando em contato com o mundo etrusco. Achados arqueológicos de ânforas em naufrágios, túmulos ou na construção de drenos, testemunham que muitas cidades costeiras da Toscana etrusca estavam entre os locais mais frequentados pelos comerciantes de Chios.

Pois é, caro leitor ou leitora: pesquisas científicas, descobertas arqueológicas, a teimosia de um produtor de vinhos, a paixão pelo cultivo e cultura da vinha em um território inigualável como o do Parque do Arquipélago da Toscana deram vida a um produto único que conta uma história milenar de dentro da garrafa: o mitológico vinho Nesos.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

“O Brasil terá que adequar a legislação sobre produtos com Identidade Geográfica ao Mercosul e à União Europeia”, alerta especialista européia

Por Rogerio Ruschel
EXCLUSIVO – Entrevista com Ana Soeiro, Diretora Executiva da QUALIFICA/oriGIn Portugal e Vice-Presidente para a Europa do Movimento Internacional oriGIn.
Meu prezado leitor ou leitora, prestando mais um serviço para pessoas que procuram informação de qualidade como você, neste momento em que muitos brasileiros começam a despertar para a necessidade de investir na identidade territorial de agroalimentos para sobreviver ao Acordo Mercosul/União Europeia, In Vino Viajas entrevista uma das maiores especialistas no assunto no mundo.
Ana Soeiro (na foto acima) é Comendadora da Ordem do Infante D. Henrique pelo seu trabalho em prol dos Produtos Tradicionais Portugueses. Isto só já bastaria para avalizar seu trabalho, mas é apenas um dos reconhecimentos oficiais da Diretora Executiva da QUALIFICA/oriGIn PORTUGAL, Secretária-Geral da Associação Nacional de Municípios e de Produtores para a Valorização e Qualificação dos Produtos Tradicionais Portugueses (QUALIFICA), e Vice-Presidente para a Europa do Movimento Internacional oriGIn. Engenheira Agrônoma, Soeiro foi representante de Portugal no Comitê Europeu das Identificações Geográficas - IGs por 15 anos e desenvolveu o sistema de identificação e valorização dos produtos tradicionais portugueses em Portugal. É autora de publicações sobre produtos tradicionais e sistemas de qualificação (IGs) e já esteve no Brasil em várias Missões. Veja a seguir trechos desta entrevista.

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R. Ruschel: Qual o trabalho da Qualifica/oriGIn Portugal?
Ana Soeiro: "A QUALIFICA/oriGIn Portugal foi constituída em Outubro de 2008 como uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, com o objetivo de desenvolver entre outros, os seguintes objectivos:
a) Potenciar o trabalho já desenvolvido pelos membros, em matéria de valorização dos produtos, de melhoria das condições dos estabelecimentos, de promoção comercial, turística, cultural, ambiental e de defesa do consumidor, aumentando a cadeia de valor e a experiência efectiva no mercado;
b) Representar e defender os membros perante os órgãos de soberania e demais entidades públicas e privadas nas áreas de actuação que integram os fins e objectivos da Associação;
c) Criar e gerir marcas colectivas de associação, destinadas, designadamente, a assinalar os produtos, serviços, unidades produtivas e estabelecimentos que atinjam parâmetros previamente fixados em matéria de genuinidade, tradicionalidade, origem, características qualitativas diferenciadas ou modos de produção ou de prestação de serviços com características particulares e que, por tais condições, sejam motor de desenvolvimento e património cultural;
d) Promover o conhecimento, o uso e o respeito pelos produtos tradicionais portugueses, valorizando a sua função económica e a sua dimensão social e cultural e satisfazendo as expectativas dos consumidores, sem prejuízo da inovação, designadamente em matéria de formas de apresentação comercial e uso dos mesmos produtos;
e) Fomentar a comercialização dos produtos tradicionais, apoiando, melhorando e proporcionando a existência de estabelecimentos, mercados locais e específicos, circuitos e cadeias de comercialização, total ou parcialmente qualificados;
f) Defender e promover as IG, em Portugal e no Mundo, incentivando o respectivo registo nacional, comunitário e internacional e lutando contra a sua utilização abusiva ou fraudulenta;
g) Participar nos trabalhos e nas iniciativas da Rede Mundial oriGIn;
h) Defender o conceito de IG em Portugal e na Europa e contribuir para o seu desenvolvimento mundial;
i) Promover o reconhecimento do papel essencial das IG para o desenvolvimento sustentável;
j) Obter uma melhor protecção para as IG ao nível nacional e internacional.
Abaixo, castanhas de ovos de Aveiro.

R. Ruschel: São muitas tarefas; qual o quadro de membros associados?
Ana Soeiro: A QUALIFICA / oriGIn Portugal tem cerca de 130 membros em 3 tipos de associações:
1. Membros efectivos:
a) Municípios ou as suas associações;
b) Agrupamentos de Produtores;
c) Entidades de natureza pública ou privada, nacionais, regionais ou locais de cariz sócio-cultural, económico, profissional ou de solidariedade social;
d) Produtores, comerciantes e quaisquer outros agentes económicos;
e) Investigadores, professores e técnicos
2. Membros de honra - instituições e personalidades que prestem apoio relevante às actividades da entidade
3. Membros associados - entidades públicas ou privadas com interesse em apoiar, potenciar ou promover o trabalho desenvolvido pela associação.

R. Ruschel: Quais os serviços prestados aos associados?
Prestamos diversos serviços aos associados, com destaque para:
a) Apoiar os processos de qualificação dos produtos, das empresas ou dos nomes dos produtos dos seus membros, promovendo o seu registo a nível nacional, comunitário ou internacional;
b) Apoiar e defender marcas, patentes, logótipos e outras figuras de propriedade industrial que sejam pertença dos seus membros, ou por eles geridas, no âmbito da sua esfera de acção, podendo inclusivamente constituir-se como assistente em processos judiciais;
c) Apoiar o desenvolvimento e a estruturação dos Agrupamentos de Produtores, apoiando os seus esforços junto dos decisores e do público em geral para melhor conhecimento e defesa das suas IG e de outras marcas, promovendo a partilha de conhecimentos e de experiências;
d) Realizar manifestações culturais, tais como congressos, colóquios, seminários, encontros e conferências;
e) Promover e/ou elaborar estudos e projectos e filmes, livros e outras publicações;
f) Proceder ao inventário do património gastronómico e bibliográfico sobre as matérias abrangidas;
Em particular, a QUALIFICA/oriGIn Portugal desenvolveu uma parceria com uma empresa portuguesa e construiu e lançou um APP para os produtos tradicionais portugueses – a PTPT. Esta APP permite relacionar os produtos tradicionais, mutos deles com IG, descrevendoos mas também indicando quem são os seus produtores e em que locais podem ser adquiridos. Permite pesquisar por produto, por #tag, por município
 R. Ruschel: Qual o volume de negócios mobilizado por IGs no mercado mundial?
Ana Soeiro: Infelizmente não há dados actualizados sobre as IGs no mercado mundial, Num ponto de vista muito pessoal, acho que o volume de negócios actual é bastante elevado na medida em que:
a) Há mais IGs registadas , não só na União Europeia, mas em muitos outros países como Vietname, India, Marrocos, China, Ucrânia, México, Brasil, entre muitos outros
b) A UE tem estabelecido acordos comerciais ou similares com países ou com Grupos de países em que a protecção mútua das IGs está sempre presente. Estes acordos facilitam o comércio mundial das IGs e dão mais garantias aos produtores que os nomes dos seus produtos não serão imitados ou usurpados

“Com a Comissão Europeia colaboramos activamente na coordenação de cursos sobre o controlo das IGs, seja ao nível da produção, seja ao nível do Mercado. Neste cursos diversos técnicos brasileiros já receberam formação.”

R. Ruschel: Qual a representatividade institucional e técnica da Qualifica/oriGIn Portugal? Como é o relacionamento com o INPI e outros órgãos de governo português e europeu?
Ana Soeiro: A QUALIFICA / oriGIn Portugal é uma associação de direito privado e, como tal , não tem nenhuma representatividade institucional. No entanto, tem protocolos de colaboração com Universidades Públicas e com Institutos Politécnicos, com Instituições de Investigação Agrária e Zootécnica, com a Ordem dos Engenheiros, com Organizações socioprofissionais, com a Confederação dos Agricultores de Portugal etc. e com empresas privadas que se ocupam de exportação, de advocacia, de turismo, de controlo de produtos como DOP ou com IGP.
Mantemos um excelente relacionamento com o INPI e com a ASAE - Autoridade de Segurança Alimentar e Económica. Internacionalmente mantemos um excelente relacionamento com a OMPI/WIPO, com o EUIPO e com a Comissão Europeia, para além do Movimento Internacional oriGIn. Com a Comissão Europeia colaboramos activamente na coordenação de cursos europeus sobre o controlo das IGs, seja ao nível da produção seja ao nível do mercado, Neste cursos diversos técnicos brasileiros já receberam formação.
 R. Ruschel: A sra. já fez missões em 28 países e já esteve no Brasil várias vezes.
Ana Soeiro: Já estive por diversas vezes no Brasil seja a pedido da OMPI/WIPO, seja da Comissão Europeia, seja de entidades brasileiras - Universidades e outras. A minha participação teve início em 2009, em Porto Alegre, mas também já fiz missões no Rio de Janeiro, Fortaleza, São Luis do Maranhão, Patos de Minas, Brasília, Belo Horizonte, Ilhéus, Santa Catarina, Corupá, etc. sempre no sentido de dar a conhecer o sistema de qualificação, registo, protecção e controlo das Indicações Geográficas e dar formação e técnicos brasileiros do Ministério da Agricultura, do INPI, do SEBRAE, de Universidades e de Associações de Produtores e Comerciantes nestas áreas de trabalho, mas também a alunos universitários, técnicos de divulgação e técnicos de municípios. Abaixo, Pastel de feijão de Torres Vedras

R. Ruschel: Sobre o Acordo Mercosul - União Europeia, qual a perspectiva de Portugal a respeito do Acordo? E a perspectiva de outros países europeus?
Ana Soeiro: Em matéria de IGs penso que o Acordo UE – Mercosul não trará problemas maiores, já que há uma série de cláusulas temporais e de derrogações similares às que existem outros acordos da UE com países terceiros e que tivemos que aceitar. Embora as vezes com algum custo grave para os nossos produtores, face ao registo nesses países do Mercosul, de IGs europeias como se fossem meras marcas por parte de empresas não produtoras dos produtos com IG ou ao uso menos correcto ou mesmo abusivo de certas IGs europeias nesses países.
Sei da desilusão de alguns membros do Mercosul pelo facto de ainda não termos, na União Europeia uma legislação harmonizada que permita proteger as IGs de produtos não alimentares. Mas penso que num prazo razoável a UE disporá de tal legislação e nessa altura poder-se-ão rever os termos do Acordo para que as IGs dos não alimentares sejam mútuamente reconhecidas e protegidas.

“Os produtores conhecem muito bem os canais de escoamento dos seus produtos e as quantidades produzidas e podem auxiliar e muto as autoridades a controlar produtos quye fraudem as denominações de idenbtidade territorial”

R. Ruschel: Os prejuízos com a contrafacção (imitação fradulenta) são muito elevados. Existe alguma estimativa de redução dos prejuízos em 5 e 10 anos?
Ana Soeiro: Não conheço nenhum estudo nesse sentido, mas obviamente que o bom seria reduzir para Zero! Será provavelmente impossível de conseguir, mas o facto é que as entidades competentes dos diversos estados membros da UE trabalham cada vez mais em cooperação e há redes de alerta rápido para avisar/impedir a circulação e ou a importação de produtos contrafeitos e há bases de dados exclusivamente destinadas às autoridades e onde podem ser visualizados produtos e rótulos mas também onde podem ser registados os nomes dos infractores e os principais tipos de infracção cometidos.
Uma matéria que tem que ser seriamente ponderada pelas autoridades dos Estados membros é a de colaborarem cada vez mais com os Agrupamento de produtores que gerem as IGs. Os produtores conhecem muito bem os canais de escoamento dos seus produtos e as quantidades produzidas e podem auxiliar e muto as autoridades caso estas os ouçam com regularidade e compreendam que as maiores fraudes são efectuadas no mercado e não pela produção!
No que respeita às IGs há uma proposta muito interessante da Comissão Europeia para que deixem de poder circular no território europeu IGs contrafeitas, anda que destinadas a outros mercados não europeus. Dá-se, assim, um sinal claro de luta contra esta autêntica “praga” que lesa a economia dos produtores e dos consumidores! Todos são enganados e maltratados com as fraudes.

“O Brasil terá que pensar num futuro muito próximo em adequar a sua legislação - que não está harmonizada nem com a da União Europeia nem com a dos membros do Mercosul”

R. Ruschel: Quais os principais obstáculos para a expansão das IGs em países em desenvolvimento?
Em primeiro lugar estará talvez, a falta de conhecimento prático sobre o assunto, por parte das autoridades, dos produtores e dos consumidores. Outro obstáculo grande é a ausência de sistemas de controlo oficial em muitos desses países. O recurso a empresas de controlo, devidamente acreditadas, é normalmente caro e faz com que os produtores desses países acabem por lucrar pouco ou nada com a implementação do sistema de protecção das suas IGs.
 R. Ruschel: A senhora teria uma mensagem para produtores brasileiros a respeito das IGs?
Ana Soeiro: Eu julgo que no Brasil já há um conhecimento razoável do sistema por parte dos técnicos de muitos organismos de Estado, de Universidades e de alguns produtores.
Penso, muito sinceramente, que o Brasil terá que pensar num futuro muito próximo em adequar a sua legislação - que não está harmonizada nem com a da União Europeia nem com a dos membros do Mercosul, por exemplo – e em estruturar um sistema de controlo nacional que permita dar garantias ao consumidor sobre a genuinidade dos produtos com IG.
Claro que este sistema de controlo tem que ser feito ao nível da produção, mas também, e sobretudo, ao nível do mercado já que é neste segmento que se verificam, em todo o mundo, as maiores fraudes. Mas, mesmo assim e com todo o trabalho que há para fazer, as IGs recompensam isso!!"
Recebi a seguinte mensagem de Ana Soeiro: “Fiquei muito curiosa a respeito do seu livro “O valor global do produto local – a identidade territorial como estratégia de marketing”. Como posso conseguir um exemplar?“ Doutora Soeiro, obrigado pelo interesse, vou lhe responder pessoalmente. 
 
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