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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Bird&Wine: degustar vinhos e observar aves, a inteligente proposta de enoturismo da Rota do Vinho Utiel-Requena, Espanha


Por Rogerio Ruschel (*)
Países desenvolvidos (como França, Itália, Espanha, Portugal, Alemanha, Suiça) que sabem que o turismo é uma atividade cultural, social e econômica estratégica, sabem também que é enorme o número de motivações das pessoas para fazer turismo, e que por isso deve ser grande também o número de opções e pacotes turísticos para atender estas motivações. 
Uma delas, por exemplo, é o senderismo - popularíssimo na Europa - caminhar por áreas naturais belíssimas como no Barranco de la Hoz en Chera, abaixo, uma das atracões da Rota do Vinho Utiel-Requena. (A primeira foto acima (ninho com ovos) é de autoria de Pilar Higuero, criadora de vinhos como o Pita Cega do Lagar de Sabariz, Galicia, uma das mais badalados bodegas com práticas biodinâmicas da Europa. A segunda foto (ninho com filhote) é de Marco Antonio Carraro, foi feita em um vinhedo da Serra Gaúcha, Brasil, e publicada no jornal Integração da Serra, de Bento Gonçalves.)

Outra das motivações turísticas é o enoturismo e o turismo baseado na gastronomia e na cultura do vinho, muito bem planejado e realizado com criatividade na Europa, e que só na Espanha significa mais de 50 diferentes atrações nas 19 Rotas credenciadas e suas sub-rotas de vinho.

Um bom exemplo desta criatividade é associar os vários "tipos" de turismo como feito pelos gestores da Rota do Vinho Utiel–Requena que lançou recentemente mais uma alternativa turismo de nicho e especializado: o turista pode realizar Bird Watching (observar aves - fotos acima e abaixo) enquanto curte as atrações de enoturismo e turismo cultural do roteiro. Eles chegaram a este produto porque pesquisas qualitativas descobriram que muitas das pessoas que gostam de vinho gostam também de natureza - e muitas delas querem ver e fotografar aves para compartilhar com os amigos nas mídias sociais. Simples assim - mas com um diferencial poderoso: só este roteiro oferece isso!
No Brasil existem agências de ecoturismo e turismo rural que oferecem roteiros de bird watching (como a Birdwatching, de Bonito-MS), empresas de serviços ecoturísticos (como a Photo in Natura, da bióloga Tietta Pivatto), eventos especializados (como o evento de Abril de 2014 em Bonito-MT, na foto abaixo) e o AvistarBrasil (uma espécie de Conferência e Congresso). Mas no Brasil ainda não temos bird watching associado à cultura do vinho e enoturismo, como os espanhóis acabam de oferecer aos visitantes.

Utiel-Requena é uma rota de vinho na região de Valência que dá nome a uma Denominação de Origem (DO) fundamentada na uva tinta Bobal – mas que tem outras uvas; foi lá, por exemplo, que surgiu a doidura do vinho Toro Loco, feito com uvas Tempranillo. Veja abaixo o logotipo atual da DO e o selo da DO dos anos 80.

A região apresenta  um “elevado valor ambiental e paisagístico que favorece a existência de uma grande diversidade de aves associadas a ambientes agrícolas e estepe, grande variedade de aves de rapina e outros rochedos possuem ou mesmo zonas húmidas aque convivem com cerca de 40.000 hecatres de vinhedos”, segundo o catálogo do novo produto. Abaixo, veja fotos do sitio arqueológico Solana de las Pilillas que parece ter sido a origem da produção de vinhos na peninsula ibérica, há cerca de 3.000 anos; veja também uma das bodegas que podem ser visitadas pelos turistas.


É claro que em termos de biodiversidade de fauna e flora, Utiel-Requena nem se aproxima da riqueza das tropicais regiões vinícolas brasileiras, especialmente as que estão em ecossistemas de mata atlântica, como nas serras do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Mas como aqui no Brasil nem enoturismo e nem bird-watching são atividades turísticas praticadas por agentes de turismo de maior porte (apenas por pequenos operadores muito qualificados e dedicados), o que espero é que alguém consiga reuni-las em um único produto de qualidade, para benefício de todos, especialmente dos turistas.
Quem será o primeiro a fazer isso no Brasil?
(*) Rogerio Ruschel é jornalista, enófilo e gosta de observar pássaros. 


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Barbastro: aqui cresce a uva Gewürztraminer que virou perfume na Espanha; conheça também o pioneiro, o brasileiro Malbec


Por Rogerio Ruschel (*)
A vinícola Viñas del Vero do município de Barbastro (foto acima), Província de Huesca, Aragão, Espanha está anunciando a criação de uma fragrância feminina de perfume com base em aromas do vinho branco Viñas del Vero Gewürztraminer Collection, produzido com uvas Gewürztraminer de seus vinhedos certificados com a Denominação de Origem (DO) Somontano desde 1986.

Segundo a empresa (veja abaixo), a fragrância criada pelo perfumista Jimmy Boyd com base nos aromas da uva Gewürztraminer apresenta traços e essências de bergamota, rosa, muguet e almíscar.

"Perfume de Gewürztraminer" foi anunciado como um marco na história do vinho na Espanha e Viñas del Vero seria “a primeira vinícola a desenvolver aromas do vinho branco em uma fragrância feminina, baseada em uma seleção cuidadosa das uvas para produzir o perfume e com a particularidade de que o álcool utilizado no perfume é o mesmo produzido pelo próprio vinho.”

A vinícola trabalhou em parceria com o perfumista Jimmy Boyd (foto abaixo), filho de pai escocês e mãe catalã, ex-diretor de produção dos perfumes Rochas da França, que mora em Barcelona onde desenvolve a chamada perfumaria alternativa, com essências que lembram cidades como San Sebastián, León, Málaga, Ibiza, Santiago de Compostela, Valencia, Cantabria, La Coruña, Lugo e outras.

Segundo textos do site, "Perfume de Gewürztraminer" foi criado como “uma edição limitada para mulheres apaixonadas, inovadoras e com personalidade, que pode ser usado a qualquer hora do dia”. Um frasco de 100 ml está custando 39,95 Euros e em uma caixa acompanhada por uma garrafa do vinho Viñas del Vero Gewürztraminer Colección, o kit custa 49,95 Euros.


A revista “Vanity Fair” (veja acima) divulgou o lançamento espanhol sugerindo que “talvez este seja o primeiro perfume do mundo baseado em vinho”. Pois vamos ajudar a revista a informar melhor seus leitores: não é o primeiro, não; essa inovação parece ser brasileira, com o produto Malbec, da empresa O Boticário, pioneiro no mundo. 

Lançado em 2003, Malbec (acima) foi anunciado como “o primeiro perfume do mundo fabricado com álcool vínico, macerado em barris de carvalho francês; feito de notas frescas e amadeiradas com base de ameixa, carvalho e baunilha, Malbec representa a masculinidade de forma única.” Veja abaixo. Ainda segundo o Boticário, “O processo usado para extrair o aroma do vinho permitiu identificar a essência do vinho Malbec e reproduzi-la em um laboratório.” 

Ao longo dos anos a marca evoluiu. Em 2011 O Boticário lançou uma edição especial do Malbec, um Desodorante Colônia Malbec Gran Reserva 2004 e em 2012 o Malbec Duo, linha de colônias que associam “a intensidade e força da uva Malbec com a tradição e suavidade da uva Nebbiolo, a uva clássica do Piemonte italiano”. Atualmente a linha Malbec tem perfumes, colonias, desodorantes, sabonetes e produtos para barbear e outros produtos, com preços variados. 

Um brinde a estes perfumes vinílicos, que ajudam a deixar o mundo mais agradável.
Para acessar a Viñas del Vero: http://www.vinasdelvero.es/
Para acessar O Boticário: http://www.boticario.com.br/

(*) Rogerio Ruschel é jornalista, enófilo e gosta de vinhos com uvas Gewürztraminer, Malbec e Nebbiolo




quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Viticultor da Borgonha pode ser preso por não usar inseticida que mata abelhas; ambientalistas circulam abaixo-assinado mundial


Por Rogerio Ruschel (*)
Esta é uma história bisonha, da qual com certeza vamos nos envergonhar no futuro, resumida assim pelo jornal francês Le Monde: “Justiça persegue viticultor que diz não a pesticidas”. Emmanuel Giboulot (abaixo), produtor de vinhos orgânicos em Côte- d'Or, Borgonha, França, estará dia 24 de Fevereiro, na próxima segunda-feira, sendo julgado por ter se recusado a aplicar um pesticida perigoso em seu vinhedo orgânico e pode pegar até seis meses de prisão e uma multa de 30.000 Euros. 

Há mais de 30 anos Giboulot produz uvas em 10 hectares de vinhedos que utilizam agricultura biológica (veja abaixo em foto do jornal Le Monde) e sempre utilizou soluções naturais para resolver problemas com doenças e pragas, diferentemente de seus vizinhos que aplicam fortes doses de inseticidas poluentes. 

Resumo a história. Em junho de 2013, para combater um risco hipotético de epidemia Flavescense ouro, uma doença da videira, o Prefeito de Côte-d'Or departamento frances cuja capital é Dijon, tomou uma decisão radical: todas as vinícolas deveriam tratar as suas vinhas contra a cigarrinha, o inseto que espalha a doença (na foto abaixo). O problema é que mesmo o inseticida menos poluente contra a cigarrinha polui o solo, mata abelhas e destrói todos os insetos que poderiam controlar os parasitas de maneira natural.

Emmanuel Giboulot (abaixo, no vinhedo) decidiu lutar contra a cigarrinha com tratamentos naturais conhecidos e eficientes e se recusou a aplicar o inseticida - veja abaixo como isso é possível. Em 30 de julho de 2013 o viticultor se recusou a aplicar o inseticida e um inspetor da Direção Regional de Agricultura informou o Ministério Público que indiciou Emmanuel por crime contra a ordem pública. Emmanuel foi convocado para um acordo amigável com o procurador no dia 24 de Dezembro, que foi cancelado no último momento; em vez de encerrar o caso, o procurador decidiu encaminhar o assunto para o tribunal criminal, com um julgamento marcado para 24 de Fevereiro.
Emmanuel Giboulot será julgado ao lado de larápios, criminosos sexuais, bandidos e assaltantes porque não quer utilizar produtos poluentes que fazem mal à saúde das pessoas e estão matando abelhas – um problema mundial que está causando escassez de alimentos. Por causa disso a comunidade que sabe o valor de produtos orgânicos está mobilizada, colhendo assinaturas de apoio a Emmanuel Giboulot. O Instituto para a Proteção da Saúde Natural criou um site para isso: entre lá e assine, porque não é mais possível permitir que decisões insensatas como essa continuem a existir. Entre e assine, o link é http://ipsn.eu/petition/viticulteur/

Para informar os leitores:
O produtor se apresentou na audiência no dia 24/02/2014 mas o juiz apenas aplicou uma multa (1.000 Euros) no produtor, constrangido por um abaixo-assinado internacional que coletou mais de 474 mil assinaturas em favor de Giboulot. Além disso cerca de 500 pessoas se reuniram em volta do tribunal de Dijon para apoiá-lo neste dia.

Alternativas naturais são eficazes

Ao contrário do que as autoridades dizem, há várias maneiras de proteger as videiras contra a cigarrinha respeitando o meio ambiente. Entre estas práticas estão:
• vinhas podem ser protegidas com samambaias e argila calcinada;
• existem armadilhas eficazes para cigarrinhas – está comprovado que a cigarrinha é atraída pela cor laranja;
• plantando palha de aveia entre as videiras, elas crescem e a alta intensidade de luz impede o surgimento do inseto; experimentos têm mostrado que esta medida simples é tão eficaz quanto o inseticida químico;
• mas o mais importante é a preservação da biodiversidade; o que melhor combate a cigarrinha são outros insetos como aranhas e louva-deus, mas estes já foram erradicados por inseticidas de vinhedos não-orgânicos.

Essas soluções não devem ser combatidas, mas sim encorajada pelas autoridades. E os agricultores que as utilizam devem ser elogiados e não ficarem sujeitos ao terror da repressão legal. Assinar o abaixo-assinado vai mostrar a juízes, promotores e vendedores de produtos químicos que existem alternativas científicas e que este agricultor não está sozinho em sua luta.

Para conhecer melhor o problema acesse https://www.facebook.com/emmanuelviticulteurbioprison
Para ouvir um depoimento de Emmanuel Giboulot acesse: http://www.notre-planete.info/actualites/3876-vin-refus-pesticide-prison
Para conhecer o mercado de produtos alimenticios de Dijon projetado por Gustave Eiffel, o autor do projeto da Torre Eiffel de Paris, acesse http://invinoviajas.blogspot.com.br/2013/05/feira-livre-de-dijon-produtos-naturais.html


 (*) Rogerio Ruschel é jornalista, enófilo, ambientalista e consultor há 24 anos em sustentabilidade socioambiental no Brasil.  Na foto acima, Ruschel examina videiras na Borgonha.



 




segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Associazione Vino Libero: um manifesto italiano pela produção de vinhos com identidade, honestidade e sustentabilidade


Por Rogerio Ruschel (*)
Conheci a Associazione Vino Libero (Associação Vinho Livre) em um restaurante da rede Eataly  que oferece culinária comprometida com os princípios de qualidade, originalidade e excelência e que no mesmo espaço comercializa produtos italianos com estes valores; empresas como a Vino Libero (veja o logotipo) mantém “corners” nas lojas Eataly, como na foto abaixo. 



Aliás, anote: a Eataly vai abrir uma casa em São Paulo em 2014, e como as mais de 20 lojas na Itália, Estados Unidos, Turquia e Japão, só venderá produtos italianos de alta qualidade, incluindo vinhos “natureba” ou sustentáveis - veja abaixo a fachada da Eataly de Roma, à noite.

No restaurante conheci os vinhos da Associazione Vino Libero que reúne produtores de vinhos comprometidos a aplicar um modelo de agricultura sustentável que seja economicamente viável, ambientalmente responsável e socialmente justo. 
 Mais do que isso, eles se propõem a praticar uma “agricultura que rompe as divisões entre os diferentes modelos de cultivo (vinhos orgânicos, biodinâmicos ou naturais) porque é um novo modelo, mais adequado às necessidades de produtores e consumidores: um modelo dinâmico". No vinhedo, na cantina e no comércio.

Atualmente são 12 empresas associadas (veja mapa abaixo), produzindo vinhos tinto, branco, rosé e espumantes com preços entre 7 e 22 Euros no Piemonte, Puglia, Marche Puglia, Sicília, Friuli Venezia, Lombardia, Veneto e Toscana. Os produtos são vendidos pela internet, em restaurantes selecionados e em enotecas (lojas especializadas) de toda a Itália e (aparentemente) com poucas chances de exportação porque tem foco na qualidade e não na quantidade.
Mas o mais interessante é o que está por trás das garrafas e fora das taças: o Manifesto do Vinho Libero, uma declaração de princípios que me lembrou a Revolução Francesa com seus valores de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Veja a seguir, em livre tradução, trechos deste Manifesto.

·      O vinho é o elemento que une a terra ao céu; um presente maravilhoso que a natureza nos deu para celebrar o desejo de viver, de estar juntos, de compartilhar o prazer de uma reunião com amigos e boa comida.
·      O vinho é uma ocasião de celebração e alegria, de consumir um produto saudável e consciente, o que aumenta as características de qualidade  bem como as tradições, história e origem, premissa para conhecer os produtores, atores e artistas de uma atividade que muda a cada diferente colheita.
·      O vinho é, tanto para aqueles que o produzem quanto para aqueles que o bebem, o resultado de um legado de trabalho duro e conhecimento, empírico e científico, acumulado ao longo do tempo e replicado em cada colheita, sempre a mesma coisa do ponto de vista da identidade, mas em constante mudança e sempre tão diferente em sabor. (abaixo, vinhedo do associado de Fontanafreda)

·      O vinho é o respeito à diversidade e curiosidade, o desejo de descoberta de sabores, culturas e territórios, a comunicação com o natural.
·      O vinho é poesia, é uma expressão de arte que transforma a matéria-prima em um produto simples, mas repleto de complexidade.
·      O vinho é a liberdade! É um produto Livre porque
·      Nasce livre e se expressa em um ambiente de produção feita de regras estritas, mas simples e claras
·      Livre para ser representado por muitos produtores honestos que acreditam no que fazem, expressão consciente de um mundo que tem suas raízes profundas na tradição (abaixo, vinhedo do associado Tombolini)

·      Livre para expressar os valores de uma cultura material milenar, do trabalho virtuoso e ser uma fonte de redenção da pobreza cultural, moral e material que muitas vezes tem caracterizado o mundo agrícola
·      Livre para representar um retorno justo para aqueles que trabalham em uma cadeia de produção que precisa ser comercialmente transparente
·      Livre de inveja e competição que provocam danos inúteis e prejudiciais, do oportunismo estúpido, do paroquialismo idiota
·      Livre da utilização gratuita de química exagerada e errada - na vinha e na adega - livre de poluentes e embalagens excessivas
·      Livre para estar em equilíbrio com o meio ambiente e para expressar a qualidade e saúde

·      Livre de informação parcial e tendenciosa, da falsidade e hipocrisia, da manipulação
·      Livre de mediocridade, a própria e a dos homens, interesses partidários e sindicatos , livre de burocracia excessiva
·      Livre da violência dos desonestos, dos constrangimentos da moda, dos padrões de consumo e combinações
·      Livre da tirania de redes de varejo, da arrogância dos intermediários, do viés de líderes de opinião e jornalistas - quando são tiranos, arrogantes e preconceituosos
·      Livre dos que sofismam, que mistificam, que manipulam, que o transformam no que ele não é 

·      Livre para falar a língua nativa, para expressar seu caráter e a identidade que retira da área, do solo, após a uva da vinha
·      Livre para crescer em importância e autoridade nas safras corretas, a permanecer em repouso na garrafa na adega durante o tempo necessário para desenvolver todo o seu potencial
·      Livre para ir para dentro da garrafa para doar emoção
·      Livre para ser bebido!
Saiba mais em http://www.vinolibero.it

 

(*) Rogerio Ruschel é jornalista, enófilo e apoia o Manifesto da Associazione Vino Libero.